Alguns atores institucionais do mercado
de hipotecas dos EUA, como o Federal Housing Administration (FHA), a Fannie
Mae, a Federal Home Loan Banks e a Federal Savings and Loan
Insurance Corporation, surgiram na década de 1930, em um momento da
história conhecido como New Deal. O padrão das residências no País era
de qualidade inferior, com a população tendo pouco acesso a redes de esgoto e
muitas pessoas dividindo o mesmo teto. Um cenário não muito diferente da
maioria das moradias existentes hoje no Brasil, em especial para as classes de
mais baixa renda.
Àquele
momento, em meio ao processo de recuperação da crise de 1929, a orientação do
governo americano era que essas agências servissem de impulso para o mercado
imobiliário, através de hipotecas, direcionando os empréstimos e promovendo a
estabilidade dos financiamentos a prazos longos, em especial a taxas fixas de
30 anos de maturidade. Algumas estimativas indicam que tal política foi
responsável por metade de todos os novos financiamentos entre 1950 e 1960, contribuindo
para alavancar a economia e consolidar uma classe média.
Essa
orientação também contou com a concessão de subsídios tributários, por parte do
governo federal, para os proprietários de casas como, por exemplo, a
possibilidade de utilizar parte dos juros pagos em empréstimos hipotecários e,
também, usar os impostos pagos localmente na dedução do imposto de renda
federal. Os resultados foram imediatos. O cenário do mercado imobiliário no
País nos anos seguintes se modificou de forma significativa. Em 1940, bem no
início desse projeto de longo prazo, apenas 43% do total das residências no
País possuíam proprietários como moradores, número que chegou a 62% em 1960 e
69% em 2005. A geração baby boom criou as bases para a estrutura de
consumo e financiamento que iria influenciar todo o comportamento das gerações
seguintes.
Diversas
transformações ocorreram na década de 1980 e 1990. O governo promoveu a
liberalização do sistema financeiro, e os bancos passaram a contar com
informações históricas dos clientes, em um sistema de “credit scoring”
e, uma da mais contundentes ações foi o “Community Reinvestment Act”, de
1977. O CRA, determinava que os bancos concedessem todo tipo de crédito,
incluindo as hipotecas, a todas as comunidades na área geográfica em que
atuavam, com atenção especial para as minorias raciais e as famílias de baixa
renda. Pode parecer absurdo forçar um banco a conceder empréstimo mas, durante
a década de 1990, essa atividade se mostrou bastante atrativa para as
instituições financeiras, com juros cobrados permanecendo em patamar mais do
que suficiente para cobrir o risco de default.
Apesar
dos avanços notados nesse período, há quem conteste esses resultados. Os
últimos levantamentos indicam que essas medidas não foram tão eficazes no
sentido de reduzir as desigualdades regionais, em especial pela via de
acessibilidade das classes de renda mais baixa ao mercado imobiliário. Entre
2000 e 2007 foram 6,6 milhões de novos proprietários de casas nos EUA, dos
quais, apenas 1,38 milhão no regime de sub-prime. Pessoas que, mesmo sem
ter como comprovar renda, sem emprego, ou até sem ativos para dar em garantia,
lançaram-se nesse mercado, na expectativa de que, com os preços crescentes, a
“roda” continuaria a girar. Com a possibilidade de se fazer a segunda hipoteca,
diversas famílias passaram a se alavancar, fornecendo os imóveis em garantia.
Os números mostram que 60% de todos os empréstimos no mercado sub-prime,
entre 1998 e 2006, foram utilizados para refinanciar uma hipoteca já existente,
enquanto os 40% restante para comprar imóvel novo. Ou seja, o projeto de uma
“casa”, virou objeto de especulação pelas próprias famílias. A queda do preço
das residências interrompeu esse ciclo. As estimativas são de que cerca de 2
milhões de hipotecas sub-prime entrem em default nessa crise,
obrigando os proprietários a devolverem os imóveis. Assim, se o objetivo era
inserir famílias de baixa renda em um programa habitacional amplo, o resultado
líquido do mercado sub-prime, nesses sete anos, terá sido negativo.
A diferença de escolha dos clientes prime
e sub-prime, para a hipoteca é um importante sinalizador dessa
especulação. Cerca de 80% dos credores classificados como prime,
escolhem hipotecas padrões, com juros fixos, prazo longo e pagamento do principal
desde o início. Já os clientes sub-prime escolhem produtos mais
arriscados do tipo ARM, ou seja, taxas de juros ajustáveis e com pouca
exigência de documentação, o que, por si só, já contribui para aumentar o custo
da prestação. Como pode ser visto, o embrião dessa crise remonta há mais de 70
anos de gestação de uma política habitacional populista, falta de regulação por
parte dos órgãos fiscalizadores, construção de verdadeiras “caixas pretas” do
mercado, como as agências de classificação de risco e os bancos de investimento
e um comportamento também especulador por parte das famílias. A história do
mercado de hipotecas nos EUA está repleta de acontecimentos interessantes que
podem ser usados para nortear políticas similares em outros países, como forma de
evitar a repetição de alguns erros.
Publicado no Informe Econômico de 13/10/2008
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