quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Mais sobre a crise

        A crise internacional começou a mostrar o seu lado mais perverso, os indicadores que refletem a fraqueza da atividade econômica nos EUA e Europa inicia a safra de divulgações negativas. Esse movimento já era esperado por diversos analistas e, deve ser questão de tempo para que os noticiários passem a confirmar o que as expectativas já indicam: o quarto trimestre do ano concretizará a recessão americana e Européia. Dos indicadores de pedido desemprego nos EUA até as novas encomendas para a indústria na Zona do Euro, passando pelo PIB do Reino Unido e as exportações do Japão, o que se vê são números negativos.
        Apesar disso, ainda é possível ver analistas que acreditam que os emergentes podem desempenhar o papel de “fiel da balança” do crescimento. Ou então, que essa crise terá impactos pequenos sobre alguns países. Os números recentes também começam a derrubar essa tese, ou então, a dúvida. Na semana passada o Governo da China divulgou os dados do PIB do terceiro trimestre, sinalizando que o crescimento nos nove primeiros meses de 2008 foi de 9,9%. Pode parecer, à primeira vista, que esse é um resultado ainda espantoso mas, não se deixe enganar, é uma taxa de crescimento cerca de 2,3 pontos percentuais menor que a verificada no mesmo período do ano passado, e ainda reflete uma boa parte do cenário positivo do primeiro semestre. 

          A expectativa é que, na medida que a atividade econômica se mostre mais enfraquecida nos EUA e Europa, o que deve ocorrer exatamente no quarto trimestre desse ano, os números devem arrefecer ainda mais, produzindo impactos negativos sobre a demanda por todo tipo de produtos metálicos, agrícolas, energia e de bens de consumo, arrastando para baixo o preço de diversos itens. O comportamento do preço das commodities já reflete essa expectativa. E esse será um dos principais canais de disseminação da crise pelos países emergentes. A Rússia, grande produtor de petróleo e importante fornecedor de gás para a Europa, já sente a queda de receita com a exportação desses produtos. Os impactos sobre a arrecadação de impostos do governo serão nítidos. O Brasil exporta US$ 3,9 bilhões para aquele País, sendo que, somente de carnes, nos nove primeiros meses desse ano foram US$ 2,1 bilhões. Alguma dúvida de que teremos impactos?
       Outro grupo de países que demonstra fraqueza diante desse cenário é o Leste Europeu. Hungria, Ucrânia e Polônia são tidas como “bola da vez”. A Ucrânia, um grande produtor de aço, sente a queda de preço e demanda pelo seu produto e uma menor receita de dólares, ocasionando problemas na atividade econômica interna com aumento do desemprego. O FMI divulgou que possui recursos para ajudar os países em dificuldades, e a Ucrânia negociou um empréstimo de US$ 16,5 bilhões, não sem antes dar indícios de que esse valor pode chegar a US$ 66 bilhões para cobrir necessidades de juros e principal da dívida no curto prazo, ao longo de 2009. A Hungria já recebeu US$ 6,7 bilhões do Banco Central Europeu, mas também sinalizou com pedidos para o FMI. A Argentina, muito dependente das receitas de exportação de produtos agrícolas, viu na nacionalização de seus fundos de pensão privados, uma possível solução, que ainda carece de aprovação. Felizmente os investidores internacionais descobriram que Buenos Aires não é a capital do Brasil.
          E por aqui? Bem, o primeiro sinal de contágio da crise veio nos contratos de ACC. De uma média de US$ 250 milhões/dia, tendo momentos de pico, como US$ 600 milhões liberados no dia 11 de agosto, chegamos apenas a US$ 48 milhões no dia 10 de outubro, último dado disponível. Desde o dia 17 de setembro que o cenário para essa modalidade de crédito não é o mesmo. Na semana passada o Banco Central ofereceu US$ 2 bilhões ao mercado na tentativa de normalizar essa situação e, como nem tudo foi captado pelos bancos é bem provável que não ocorra a normalização dessas operações no curto prazo. Outros sinais de contágio também se fazem sentir, mas ainda de maneira esporádica. O Banco Central divulgou que, nos primeiros dias de outubro ocorreu uma queda nas concessões de crédito no mercado interno. É claro que ainda é um resultado incipiente e pequeno para reverter um crescimento da ordem de quase 30% em 12 meses mas, ocorre exatamente em um momento delicado do ano, com a proximidade das festividades de dezembro.
            Amanhã e quarta tem reunião do COPOM para decidir a meta Selic. Será a penúltima reunião do ano. A maioria das apostas é de manutenção dos atuais 13,75% e, motivos não faltam para sustentar essa decisão. Primeiro que seria uma enorme contradição aumentar juros na seqüência de redução dos depósitos compulsórios dos últimos dias. Seria como dizer que sim e que não para a mesma pergunta. Além disso, o cenário econômico, interno e externo, modificou-se de maneira drástica desde a última vez que o COPOM se reuniu, em 9 de setembro. Portanto, apostar em uma “parada técnica” para dimensionar os impactos dessa crise sobre o mercado de crédito e a demanda interna, não machucaria a reputação da autoridade monetária. É claro que existe o risco de repasse de custos por conta da desvalorização cambial. Porém, há que se considerar que o preço de diversos produtos caiu em dólar, apesar de ser difícil quantificar o impacto líquido. A resposta para a pergunta de como o Brasil entra nessa crise, passa pelas mãos do Banco Central nos próximos 30 dias.

Publicado no Informe Econômico de 27/10/2008

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