Como que reproduzindo a seqüência de
acontecimentos em momentos de crise bancária, a contaminação dos problemas dos
bancos de investimento para o setor comercial e de seguros era questão de
tempo. Uma das primeiras vítimas foi o Northern Rock Bank da Inglaterra,
nacionalizado no início desse ano. Desde então, seguradoras nos EUA, Alemanha e
Inglaterra, bancos de hipoteca e demais instituições do sistema financeiro em
vários países, acompanharam essa onda negativa que gerou liquidação,
nacionalização e fusões. O cenário é tão incerto que até boatos ajudam a
derrubar o mercado, como foi o caso, na semana passada, do Bank of East Asia
em Hong Kong, que teve filas de correntistas esperando sacar recursos após
boatos de que a instituição estava sofrendo perdas. Já é possível identificar,
em diversos sites no mundo, dicas para correntistas sobre como se protegerem em
meio a essa crise, orientando os mesmos a dividirem os recursos entre
diferentes bancos para resguardar os valores que o governo garante por lei para
o poupador em caso de falência de um banco.
Quatro outros eventos recentes
movimentaram o mercado; o banco com maior participação do mercado de hipotecas
na Inglaterra, o HBOS, foi vendido para o Lloyds por ₤12 bilhões, o Breadford
& Bingley, conhecido como B&B, também com atuação na Inglaterra,
teve sua parte de gestão de hipoteca
nacionalizada enquanto o Banco Santander ficou com o controle das
agências e a administração da poupança dos correntistas. O B&B possuía
ativos totais de £50 bilhões, dos quais, ₤41 bilhões eram em hipotecas
residenciais e investimentos de correntistas no total de £20 bilhões.
Nos EUA, o Washington Mutual, conhecido
como WuMU (sediado em Seattle), era
um dos maiores bancos do País com 119 anos de atuação, tinha ativos da ordem de
US$ 307 bilhões e representa a maior falência bancária da história dos EUA. Foi
vendido para o JPMorgan por cerca de US$ 2 bilhões. Por fim, tivemos a
compra do Wachovia, o quarto maior banco do País, pelo Citigroup
por cerca de US$ 2,2 bilhões. Vale lembrar que o JPMorgan já havia
comprado o Bear Stearns no início desse ano. O Wachovia tinha
cerca de US$ 400 bilhões em depósitos de correntistas. Na Europa, o Banco
Central Europeu teve que intervir e negociar a nacionalização do gigante dos
negócios bancários e de seguros, o Fortis, com custo estimado da ordem de €11,2
bilhões. Para se ter uma idéia do impacto da liquidação dessa instituição, que
emprega mais de 85 mil pessoas, basta ver sua presença na Bélgica, onde o Banco
chega a ser o maior empregador privado, e possuindo contas de mais de 1,5
milhão de famílias, dominando metade do sistema bancário do País.
Esses são apenas alguns exemplos de como
o sistema financeiro internacional está se reestruturando nesse momento. Com as
movimentações ocorridas nos EUA, o mercado bancário ficou mais concentrado, com
a maioria dos depósitos dos correntistas na mão de apenas três bancos, o Bank
of América, o JPMorgan Chase e o Citigroup. Já se fala,
inclusive, na possibilidade de, passada essa crise, reduzir o poder dessas três
instituições que teriam enorme poder em fixar as taxas de juros para
empréstimos. Na Inglaterra, a venda do HBOS para o Lloyds criou um
gigante financeiro que detém cerca de 1/3 de todos os depósitos em poupança e
do mercado de hipotecas do País. Se de um lado essa concentração pode
representar um problema do ponto de vista de formação de taxas de juros para o
mercado, devido a baixa concorrência, por outro, pode ajudar a solucionar mais
rapidamente a crise, facilitando a ação dos Bancos Centrais, pois serão poucas
as instituições restantes.
Dois acontecimentos dificultam uma
solução mais rápida da crise. Em primeiro lugar, o fato de ser ano eleitoral
nos EUA e, em segundo lugar, a própria crise de confiança. Nesse momento, o
crédito sub-prime deixa de ser o vilão da crise, cedendo lugar para a confiança
sistêmica. As instituições financeiras não estão confiando em seus pares,
contribuindo para paralizar o mercado interbancário e aumentando ainda mais os
riscos de falência. Um ponto importante serve de incentivo para a solução da
crise de confiança, é o fato de que o calendário se aproxima do final do ano,
onde a demanda por moeda é maior devido as festividades. A se manter essa crise
de confiança no sistema financeiro, não só mais instituições devem enfrentar
problemas como será natural o impacto sobre as demais atividades econômicas, em
especial no comércio.
Há um importante dilema em todo esse
cenário. Deixar que os bancos decretem falência pode ser visto como uma forma
de punição do sistema. Porém, não resolve o problema da crise, podendo,
inclusive, piorar a mesma. Por outro lado, promover o socorro a instituições
financeiras, depois de ter ficado claro que as mesmas se aproveitaram da
regulação frouxa para se alavancarem, pode passar a mensagem para o
contribuinte e, em especial nesse ano, para o eleitor americano, que existe
favorecimento. Portanto, a solução dessa crise passa, de forma particularmente
importante, pela maior transparência e discussões das para dirimir essas
dúvidas e facilitar a solução da mesma. Vale lembrar, o Brasil faz parte desse
tabuleiro, e os dominós estão caindo.
Publicado no Informe Econômico de 29/09/2008
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