domingo, 10 de agosto de 2014

Quem paga a conta?

A recente discussão sobre cortes no
orçamento do Governo Federal nos EUA, e que
resultou na definição dos parâmetros de arrecadação e
de gasto para o período 2012-2021, contém elementos
importantes, e que servem de aprendizado para a
sociedade brasileira. Nesse caso, o foco dessa análise
é a situação da infraestrutura naquele país, seja em
rodovias, aeroportos ou ferrovias, que se encontra em
um nível de qualidade aquém do desejado e que
fomentou debates econômicos interessantes, em
especial diante da necessidade de aumentar os
investimentos.

Em 2009, o Governo dos EUA destinou o
equivalente a US$ 41 bilhões para construção e
conservação das rodovias. Um valor próximo da
média histórica das últimas duas décadas. A questão
nesse caso é que, durante esses anos, aumentou o
tráfego e esse montante de investimento não foi
suficiente para acompanhar o novo nível de demanda,
resultando em perda de qualidade no serviço oferecido
para a sociedade. Nesse sentido, a constatação do
governo é que o volume de recursos atualmente
destinado para as rodovias não será suficiente para
recuperar esse padrão de qualidade e, muito menos,
dar suporte a uma previsão de aumento da demanda
nos próximos anos. Tal avaliação resultou na
determinação de destinar mais recursos para
investimento em infraestrutura, já a partir do
orçamento de 2012, em especial nas rodovias. Até
aqui, nada diferente do que vemos no Brasil.
Como forma de fundamentar a discussão, a
CBO – Congressional Budget Office, a partir da
avaliação de diversas outras publicações sobre tráfego,
acidentes, cálculo de benefício social e etc., avaliou a
necessidade de recursos adicionais para as rodovias.
Além disso, tratou de especificar de onde poderiam
ser obtidos os recursos. Um ponto interessante é a
clara linha divisória entre essa discussão nos EUA e
as que normalmente são tratadas no Brasil quando o
assunto é investimento público. Por lá, o governo
procura fundamentar as intenções de alocação de
recursos seguindo a lógica da eficiência econômica,
fato que não é comum no Brasil (aliás, é difícil
encontrar governante que entenda do termo). E isso
envolve não apenas a avaliação dos projetos de acordo
com os benefícios relativamente aos custos. Engloba
as questões de quem paga a conta.
No Brasil, o ponto principal sempre é definir
o gasto, e a conta pode ser paga por toda a sociedade,
normalmente via aumento de tributos de qualquer
natureza. Na discussão sobre a necessidade de
investimento nas rodovias nos EUA, a lógica mostrase
diferente. Como são os usuários os maiores
beneficiados com uma estrada em boas condições,
nada mais natural supor que sejam esses a pagarem pela
sua construção ou conservação. O problema passou a
ser, então, determinar os custos, que diferem entre
veículos de passageiro e de carga e transcendem os
efeitos sobre a rodovia, atingindo a sociedade, via
maior poluição, barulho e riscos de acidente. De um
lado, tem-se os custos de construção e manutenção e, de
outro, do ponto de vista do usuário, a relação entre
custos de usar a estrada e os benefícios que a mesma
proporciona. Se aqueles forem muito pequenos
relativamente a esses, haverá um incentivo ao uso
excessivo da estrada que não irá corresponder ao
recurso disponível para manter sua qualidade. No
médio prazo, o sistema não irá funcionar, e teremos
rodovias mal conservadas. Da mesma forma, o custo de
utilização não pode ser alto a ponto de fazer com que os
motoristas não usem a rodovia e, por conseqüência,
acabe por tornar a mesma sem função. Portanto, o
desafio é encontrar esse ponto de equilíbrio.
Nos EUA, cerca de 25% das rodovias nacionais
são mantidas, principalmente, com recursos de
impostos sobre combustíveis – gasolina e diesel e, outra
parte, com pedágios e outros tipos de taxas. Nesse
ponto, a discussão de elevar o volume de investimento
em rodovias passa, necessariamente, da definição das
fontes de financiamento. De um lado, há quem defende
a tese de que os impostos sobre combustíveis seriam
eficientes por estar diretamente relacionado ao consumo
e ser de fácil controle. Porém, para o mesmo litro de
gasolina, há diferença de consumo por quilômetros
entre os carros e, mesmo que existisse um único modelo
de carro, esbarraria na forma que os motoristas dirigem
(alguns são mais econômicos que outros). Além disso,
uma estrada muito cheia, que aumentaria o consumo
médio de combustível penalizaria ainda mais o
contribuinte/usuário. Portanto, o uso apenas do imposto
sobre combustível para financiar rodovias não é
eficiente. Uma alternativa interessante, e que
complementa o uso do imposto sobre combustíveis e já
utilizada em outros países, é cobrar por quilômetro
rodado (VMT – vehicle-miles traveled). Porém, esbarra
na dificuldade de controle, que envolveria muitos
custos de instalação de equipamentos (estimado para os
EUA em US$ 10 bilhões) e também de controle, com a
contratação de pessoal. Além disso, resta o desafio de
diferenciar entre tipo de veículo, a hora do uso e o lugar
onde a viagem está sendo feita para aumentar a
eficiência dessa proposta.
O importante nessa discussão é a mensagem de
como o processo de construção do orçamento público
deve ser conduzido, envolvendo a sociedade e com
fundamentação técnica. Somente assim o mesmo
tornará claro quem paga a conta.

Fonte: CBO, Spending and Funding for Highways, Economic and Budget
Issue Brief, Washington, 2011.

Publicado no Informe Econômico 09/maio/2011

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