domingo, 10 de agosto de 2014

A cidade "calçado" perde competitividade

Não é novidade, pelo menos para quem se
mantém informado sobre o desempenho da economia
do Rio Grande do Sul, que há claramente uma perda
de competitividade setorial que se arrasta há vários
anos. Porém, existem outros fatores que podem estar
tanto associados a questões locais, como: (i) os baixos
investimentos públicos em infraestrutura de estradas,
portos e aeroportos (o RS é o 22º no Brasil quando o
assunto é gasto estadual na função transporte); (ii) a
pesada carga de impostos (cada gaúcho paga R$ 1,6
mil em ICMS ao ano para o governo) e; (iii) os
elevados custos do fator trabalho, tanto em nível
quanto em relação aos reajustes que vem sendo
concedidos; ou então, de um arcabouço
macroeconômico, como: (iv) uma taxa de câmbio
excessivamente valorizada; (v) legislação trabalhista e
tributária que penaliza a produção e; (vi) a
instabilidade das leis.

Para ilustrar os impactos da perda de
competitividade, vejamos os números relativos ao
setor de calçados que são disponibilizados pelo IBGE
para o período de 1996 a 2008. Nesses 13 anos, foram
pagos o equivalente a R$ 28 bilhões somente em
salários e remunerações aos funcionários do setor no
Rio Grande do Sul, considerando dados corrigidos
pelo IPCA, com valores de 2010. Além disso, o setor
manteve uma média de 133 mil empregos/ano, ou
seja, estamos falando de salários de R$ 16,4 mil/ano
por funcionário.
Talvez esses valores não sejam suficientes
para convencer os administradores públicos da
importância que a indústria de calçados ainda tem
para a economia do Estado. Nesse caso, podemos
ilustrar essa criando a “cidade calçado”. Considerando
apenas as pessoas que trabalham no setor, essa seria a
13º cidade do Estado em termos de população (133
mil), podendo eleger pelo menos 3 deputados
estaduais e 1 federal. Também seria o 11º maior PIB
(R$ 2,7 bilhões) e, além disso, o município que mais
exporta no RS. Aplicando uma alíquota fictícia de
12% de ICMS sobre o valor das receitas do setor com
a venda do produto, pode-se chegar à cifra de R$ 740
milhões em apenas um ano. Essa cidade também
poderia recolher o equivalente a R$ 75 milhões por
ano em IPVA e, cerca de R$ 150 milhões em
impostos sobre a gasolina.
Destaca-se que esses seriam apenas os
impactos diretos dessa atividade sobre a economia. Os
indiretos e aqueles derivados do efeito renda poderiam
produzir números ainda mais significativos. A “cidade
calçado”, por exemplo, poderia chegar a 375 mil
habitantes e ser a 3º maior cidade do Rio Grande do
Sul se, tal como apontam as pesquisas, considerarmos
a média de 3 pessoas por residência. Outro ponto
importante são os impactos na cadeia produtiva. A
“cidade calçado” para funcionar, precisa comprar
insumos, como borracha, couro, cola, tinta e etc, e isso
representa, segundo dados de 2008, empregar outras
15,8 mil pessoas na atividade de fabricação de partes
para calçados, com um pagamento anual de R$ 165
milhões na forma de salários, fora a geração de ICMS e
outros tributos na cadeia de fornecimento.
Mas, nem tudo são flores. Essa cidade está
perdendo competitividade a cada ano que passa e as
perspectivas continuam negativas. Uma soma de fatores
tem atuado de maneira negativa sobre seus moradores,
tais como: (i) a concorrência desleal de produtores no
exterior; (ii) o câmbio valorizado. Esses dois primeiros
limitam o acesso ao mercado externo e, também,
aumenta a presença das importações no Brasil. Somente
do Vietnã, aumentamos as importações de calçados em
3.164% entre 2001 e 2010, e aquele país já é o principal
fornecedor do produto para o Brasil. Outros fatores são
(iii) os elevados custos dos salários relativamente a
outras regiões e países (o RS paga salários 7,4% acima
da média nacional nesse setor, ao passo que, no Ceará,
os salários são 16% menores que a média nacional); (iv)
a tributação excessiva, principalmente a coletada pelo
governo estadual (pagamos cerca de R$ 120 mil/ano em
IPVA para cada km de estrada pavimentada, colocando
o estado na 4º posição dentre aqueles que mais pagam
esse tributo, acima do verificado para SC, MG, ES e
PR) e; (v) os problemas logísticos, que dificultam e
encarecem a produção local (cerca de um terço das
estradas do RS são consideradas como ruim ou em
péssimas condições).
Os aumentos de produtividade poderiam
superar as dificuldades apontadas. Porém, o produto
que cada trabalhador no setor gera aqui é equivalente à
média nacional. Em 1999 o diferencial de produtividade
chegava a 13% pró-RS. Além disso, o conjunto de
matéria-prima que o setor paga para produzir é cerca de
13% mais caro que o verificado na média do Brasil.
Mesmo assim, por mais que o “prefeito” tenha tentado
convencer as autoridades da importância de se ter uma
política para essa “sociedade”, ainda é possível escutar
rumores tais como: “a atividade exportadora, por ter
incentivos de uma lei federal relativamente a impostos,
não é importante para o Rio Grande do Sul”.
O caso do setor de calçados é o mais recente
reflexo de anos de uma transformação silenciosa que se
processa em solo gaúcho “a perda de competitividade
industrial”. Entender esses fatores é o primeiro passo
para compreender que tipo de “remédio” deve ser
receitado. E mais importante ainda, essa causa não é
apenas do segmento ou da indústria e sim, do Rio
Grande do Sul.

Publicado no Informe Econômico 23/maio/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário