domingo, 10 de agosto de 2014

Quem paga a conta? Você!

A crise internacional, iniciada em 2007, em
muito deverá contribuir para um novo desenho da
economia e do modo de vida em vários países. E
essa avaliação pode ser feita em dois atos. No
primeiro, quando da iminência de um colapso no
sistema financeiro, os governos logo se apressaram
em dar suporte ao setor privado para evitar um
cenário pior. A despeito da flexibilidade que as
regras utilizadas pelas autoridades monetárias deram
às instituições financeiras ao longo dos anos, tanto
nos EUA quanto na Europa, e também da pouca
habilidade em detectar o tamanho da intervenção, o
fato é que os dois primeiros anos da crise serviram
para criar um consenso sobre a necessidade de se
adotar regras mais críveis. E essa deve ser a herança
para os próximos anos. Um mercado mais “vigiado”.
E impactos positivos podem emergir dessa
reestruturação se não perdermos de foco a
manutenção da livre iniciativa e da concorrência.
Ao fim desse ato, o segundo momento veio
para equilibrar a balança das opiniões ideológicas.

O volume de recursos utilizados pelos governos para
combater a primeira “onda” da crise foi
significativo. E veio de várias formas, desde a
compra de ações e títulos, até empréstimos diretos
ao setor financeiro privado e emissão de moeda.
Destaca-se que muitos desses recursos já retornaram
aos cofres públicos nos EUA e Inglaterra, mas não
sem antes revelar problemas estruturais. Os
governos não estavam prontos para tal empreitada. E
o resultado é uma herança, na forma de dívidas
maiores, e que deverá ser paga por toda a sociedade.
É nesse momento que se coloca em cheque a
manutenção de uma “economia de estado” que
continua a gerar distorções em vários países.
O modelo conhecido como “bem-estar
social”, ganhou corpo no pós II Guerra mundial,
tanto nos EUA quanto na Europa. Mas, com
importantes diferenças. Nos EUA o governo teve
papel importante para manter a qualidade de vida da
população, mas de maneira indireta, deixando ao
mercado a responsabilidade de gerar as
oportunidades. Na Europa, o modelo de “bem-estar
social” foi entendido como um resultado a ser
atingido apenas com o setor público sendo o
provedor de todas as necessidades, como educação,
saúde e outros benefícios sociais. Essa diferença de
entendimento sobre o papel do setor público se
acentuou nos últimos quinze anos. Na Europa, os
gastos com benefícios sociais à população, sejam
eles voltados para a proteção ao emprego ou a
aposentadoria, ou então, aqueles direcionados para
as famílias, como programas generosos para mães
com mais filhos e subsídios na saúde, elevaram as
despesas dos governos. Para citar um exemplo, na
Grécia, os funcionários públicos chegam a ganhar dois
salários extras ao longo do ano.
Há fatos importantes em toda essa discussão.
A distribuição de renda em vários países europeus se
mostra mais igualitária que nos EUA. Enquanto que
nesse, a taxa de pobreza está ao redor de 17%, para
países com elevados gastos sociais, como na
Dinamarca e Holanda, está em 4% e 5%
respectivamente, sendo de 8% na média da Europa.
Porém, não há “lanche de graça”. A escolha dos
europeus tem como resultado uma economia com
menor produtividade e que se reflete na taxa média de
crescimento. Nos últimos 30 anos, enquanto que os
EUA cresceram em média 2,69% ao ano, a Zona do
Euro expandiu-se 1,95%. Uma diferença que pode
parecer pequena, apenas 0,74% ao ano. Mas que, para
30 anos, com taxa de câmbio constante, gera um
resultado 25% maior na renda pró EUA. Além disso,
há importantes diferenças nos programas sociais
europeus. Os países do norte da Europa, como a
Noruega e Dinamarca, adotam programas que
procuram re-inserir o trabalhador no mercado de
trabalho. Diferentemente do que ocorre nos “PIIGS”,
onde o modelo é de “dependência”. Recebe-se o
benefício por certo intervalo de tempo, muitas vezes
sem contrapartida e sem a preocupação de uma
reciclagem do trabalhador. Essa política cria dois
problemas. O conjuntural é orçamentário e pró cíclico.
Em momentos de dificuldades econômicas, quando é
natural esperar menor arrecadação de impostos, os
governos acabam gastando mais para poder fazer
frente a taxas de desemprego elevadas. Isso
potencializa os efeitos da crise nos orçamentos. O
outro problema é estrutural, e está relacionado à
percepção, por parte do trabalhador, de que existe um
“desemprego confortável”, com renda garantida. E
isso limita a busca por ganhos de produtividade.
A necessidade de reforma no modelo de
“bem-estar social” europeu, não representa apenas
uma resposta aos efeitos da crise. Está muito
relacionada a uma estrutura que não se sustenta no
longo prazo com uma população que envelhece e que
deverá cada vez mais pressionar os gastos com saúde
e previdência. Na Grécia, a projeção é que a
população com idade superior a 65 anos atinja os 25%
do total em 2030, mesmo percentual projetado para a
Espanha. Alguns países já caminham nessa direção,
propondo aumento da idade média para aposentadoria,
implementando mudanças nas regras de contratação e
salários de servidores públicos e modificando as
políticas relacionadas a assistência social e seguro-desemprego.
Essa é uma boa oportunidade para que o
Brasil aprenda com o velho continente, e não cometa
os mesmos erros que eles cometeram.

Publicado no Informe Econômico 21/junho/2010

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