domingo, 10 de agosto de 2014

PIB para Chinês ver

Os dados do PIB do Brasil no primeiro
trimestre desse ano, divulgado na semana passada,
permitem fazer importantes interpretações. De um
lado, avaliando apenas os números, tivemos o
segundo melhor resultado, para esse período,
expansão de 2,7% sobre o último trimestre de 2009
(dessazonalizado), dentre todas as principais
economias mundiais, ficando apenas atrás da China,
que cresceu 2,9%. Destaca-se que é comum no
mercado financeiro internacional, avaliar o PIB em
termos anualizados. Nesse sentido, a taxa desses
primeiros três meses equivale a um crescimento de
11,4% ao ano. Além disso, é o segundo melhor
resultado dos últimos quinze anos, ficando atrás
apenas do desempenho do 1º trimestre de 2004,
quando crescemos 2,8%. Completa um ciclo de
quatro trimestres consecutivos de expansão, após a
queda do fim de 2008 e início de 2009. E, pavimenta
o terreno para que o Brasil tenha seu maior
crescimento, em um ano, desde o início do Plano
Real, podendo ficar acima de 7%.

A abertura do indicador permite que se tenha
inferência sobre outros resultados. Por exemplo, na
produção, a indústria teve seu melhor desempenho
em sete anos, atingindo o nível pré-crise. O forte
crescimento do primeiro trimestre se junta ao
resultado já expressivo do último trimestre do ano
passado. São dois trimestres consecutivos de
crescimento de 4%, o que equivale a uma expansão
de 18% ao ano. Destaque tanto para a indústria de
transformação quanto para a construção civil.
Porém, até o momento, a base de comparação era
baixa. E, esse crescimento verificado no setor
contribuiu apenas para que se atingisse o patamar
pré-crise. Seria como se estivéssemos voltando ao
nível do terceiro trimestre de 2008. Pelo lado da
demanda, a boa notícia é que os investimentos foram
os responsáveis pelo bom resultado do PIB, a
despeito de outros períodos, quando era o consumo
das famílias o carro-chefe da economia.
Após a comemoração desses números, a
pergunta mais freqüente entre profissionais da área,
e que ainda permeia as discussões, é sobre a
sustentabilidade desse crescimento. Podem ser
usados diversos indicadores para avaliar essa tese.
Porém, vamos recorrer à macroeconomia.
Muitos já ouviram falar da famosa
identidade “poupança igual a investimento”. Para
que sejam feitos investimentos, são necessários
recursos financeiros, que podem vir tanto do
mercado interno quanto externo. Nesse caso, quanto
mais capital disponível, menor deverá ser seu custo,
medido pela taxa de juros e, também, mais factível
será de se atingir uma taxa de investimento maior.
Vejamos o exemplo da China. A despeito dos
problemas de medida estatística, as estimativas
apontam nível de investimento da ordem de 35% do
PIB por vários anos. O que tem sido compatível com
um avanço da economia da ordem de 10%. Como se
sabe, a poupança no país é muito elevada. O Chinês
tem alta propensão a poupar, em especial por fatores
como a incerteza sobre a renda futura com a
aposentadoria. Mesmo assim, essa poupança não seria
suficiente para manter níveis e investimentos tão
elevados, e o país consegue atingir esse via poupança
externa. A China, de longe, é a economia emergente
que mais atrai capitais internacionais. Em outra ponta,
podemos citar os EUA. A taxa de poupança é baixa,
dada a elevada propensão a consumir do americano.
Assim, para manter um nível de investimento que seja
compatível com crescimento da ordem de 3% ao ano,
que é a média das últimas décadas, o país também se
utiliza de capitais externos. Como se sabe, os títulos
americanos são os mais seguros do mundo, o que
facilita a atração de capitais por parte das empresas.
No Brasil, o nível de investimento do primeiro
trimestre ficou em 18% do PIB, e está 2,2 pontos
percentuais acima da taxa de poupança. Foram R$ 148
bilhões em investimentos nesses três meses. Aqui tem
dois pontos importantes a lembrar. Primeiro que um
nível de 18% de investimento não é compatível com
uma economia crescendo 11,% ao ano. Para tanto,
deveríamos quase que dobrar essa taxa de poupança.
Segundo que, dado nosso nível baixo de poupança,
para manter esse patamar de investimentos,
deveremos recorrer a poupança externa, entrando na
“briga” por recursos de longo prazo. A competição
por capitais internacionais é forte e, por mais que
tenhamos a contribuição de vários adversários, como
Rússia, países do Leste Europeu e da América Latina,
que insistem em políticas equivocadas, não podemos
deixar de cuidar do nosso “quintal”.
Atualmente, a diferença entre o nível de
poupança e investimento nesse primeiro trimestre, foi
da ordem de R$ 72 bilhões. Uma parte desse resultado
poderia ser obtida via equilíbrio da previdência social,
que tem déficit de R$ 45 bilhões ao ano. Outra parte
poderia vir via superávit primário. Nesse ponto o
governo poderia poupar cerca de R$ 20 bilhões ao
ano. E outra poderia vir via fundos de pensões
privados. Atualmente, o capital estimado está em R$
570 bilhões, em torno de 18% do PIB. Maiores
incentivos a essa poupança de longo prazo podem
contribuir facilitar o financiamento dos investimentos.
O Brasil tem condições de manter essa taxa de
crescimento no longo prazo. Para tanto, devemos
olhar o resultado do primeiro trimestre como um
indicativo de que ainda precisamos fazer importantes
reformas em nossa economia. Depende de nós.

Publicado no Informe Econômico 14/junho/2010

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