domingo, 10 de agosto de 2014

Os meandros do Orçamento Americano

No início de agosto, o parlamento americano chegou a um acordo para a elevação do teto da dívida, dando fim ao imbróglio político em torno do tema. O consenso foi alcançado através de uma proposta de austeridade fiscal que envolve o corte nos gastos do governo num horizonte de 10 anos e que pode chegar a US$ 2 trilhões. Assim sendo, o impacto dessa medida pode trazer importantes implicações para as camadas da população mais dependentes das verbas governamentais.

Essa tarefa não será fácil, já que, nos últimos dois anos, os EUA registraram enormes déficits no resultado fiscal: -10% do PIB em 2009 e -8,9% em 2010. Esses saldos podem ser explicados, por um lado, pelo drástico aumento das despesas do governo em programas para estimular a economia, como as duas rodadas do quantitative easing (QE). Por outro, as receitas governamentais acompanharam o ciclo econômico e permaneceram estagnadas no período. Além disso, estudos mostram que a estimativa para o déficit em 2011 é de -10,9%, nível mais alto desde 1945.
O orçamento dos EUA de 2010 mostra que os gastos somaram US$ 3,45 trilhões, ou 23,82% do PIB. A área que recebeu mais recursos foi a de seguridade social, com 20,45% do total das verbas (o maior programa do gênero no mundo). A previdência no país é responsável pelo pagamento de aposentadorias por tempo de serviço, invalidez e aos órfãos.
Em segundo lugar, vieram as despesas com defesa nacional, totalizando 20,07% do PIB. Dentro dessa categoria, destacaram-se os gastos com operação e manutenção (US$ 259,3 bilhões), pagamento dos funcionários (US$ 147,3 bilhões) e aquisição de bens (US$ 133,6 bilhões), como armas e equipamentos bélicos.
Os programas sociais foram o terceiro principal destino dos gastos orçamentários, com participação de 18%. Nesse conjunto, os maiores dispêndios destinaram-se a compensação aos desempregados (US$ 122,5 bilhões), bem como o auxílio federal aos aposentados e inválidos, excluindo a seguridade social (US$ 118,1 bilhões). A categoria também compreende o amparo habitacional para pessoas de baixa renda e assistência à alimentação.
A fatia dos gastos com o medicare correspondeu a 13,07% do orçamento no ano passado. O objetivo desse programa é auxiliar financeiramente as pessoas idosas em função dos custos médicos relacionados à internação hospitalar e remédios, dada sua menor renda em relação ao restante da população. Seu âmbito é federal, ou seja, o estabelecimento do tipo, duração e escopo dos serviços, bem como as taxas pagas pelo contribuinte são as mesmas em todo o país. Já os gastos com saúde apareceram na quinta posição, com 10,7%. Esse vetor engloba o medicaid, cuja parcela no orçamento alcançou 8,68% do total. Tal política é voltada para auxiliar as pessoas de baixa renda com as despesas médicas e, ao contrário do medicare, a legislação que versa sobre o programa varia entre os estados americanos. Em todas as rubricas citadas, há discussões sobre onde e quanto cortar nos gastos, com possíveis custos políticos para o presidente Obama.
Os outros elementos de destaque nas aplicações das verbas do orçamento americano no ano passado foram: pagamento de juros dos títulos da dívida federais (5,7%), educação e treinamento de trabalhadores (3,7%), benefícios aos veteranos da guerra (3,1%), transportes (2,7%) e administração da justiça (1,5%).
Do lado da arrecadação, as receitas totais somaram US$ 2,16 trilhões no ano passado. As principais fontes foram provenientes dos impostos sobre a renda (41,5%) e sobre a seguridade social (40%). A tributação sobre as empresas representou apenas (8,85%). Aqui, cabe destacar a diferença entre as malhas tributárias de Brasil e Estados Unidos. Grande parte da arrecadação do primeiro concentra-se sobre o setor produtivo, o que acaba onerando os investimentos. Nos EUA, entretanto, boa parte dos impostos recai sobre o consumo e a renda. Outras receitas para o governo foram obtidas através da taxação de bebidas alcoólicas, tabaco e outros produtos (3,59%) e demais impostos (6,52%).
Como pode ser visto, a situação do governo americano, portanto, é delicada. O recente compromisso de contenção dos gastos deve deixar vários setores da sociedade civil insatisfeitos, algo indesejável dentro da esfera política faltando pouco mais de um ano para a eleição nos EUA. Soma-se a isso a pouca margem de manobra para estimular a economia via política fiscal e a impossibilidade do uso de política monetária, já que as taxas de juros de curto prazo (fed funds) se encontram em um patamar próximo a zero desde 2009, em função do esforço do FED para tentar reativar a economia desde a quebra do banco Lehman Brothers (evento que agravou a crise financeira internacional em 2008).
O que se espera é que a redução nos gastos governamentais irá diminuir o PIB no curto prazo. Contudo, somente o cumprimento estrito do acordo será capaz de recolocar a trajetória da dívida americana em patamares aceitáveis, o que favorecerá o crescimento econômico no longo prazo.

Publicado no Informe Econômico 29/agosto/2011

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