domingo, 10 de agosto de 2014

Crise na Europa: seria mais fácil sem a política

Para muitos países a crise internacional de 2008 já teve seus efeitos minimizados, em especial nos mercados emergentes. Porém, na Europa, seus impactos ainda se fazem sentir e, com o andamento das discussões e a falta de empenho político, é de se esperar que a segunda crise se materialize.
Dentre as economias emergentes da Europa, três obtiveram pacote de ajuda financeira de instituições multilaterais. Primeiro foi a Grécia, ainda em maio de 2010, com um pacote de ajuda de € 110 bilhões com a participação do FMI e a União Europeia. A seguir veio a Irlanda, ao final do mesmo ano, com um pacote de € 85 bilhões que também contou com a participação do FMI e de mais recursos de dois fundos de estabilização criados para esse fim, o EFSF – European Financial Stability Facility e o EFSM – European Financial Stabilization Mechanism. Por fim, em maio de 2011, veio Portugal, com um total de € 78 bilhões e a participação dos mesmos agentes que formataram o pacote de ajuda à Irlanda.

Todos esses três programas de ajuda vieram acompanhados de uma série de exigências que deveriam ser seguidas pelos respectivos governos, como por exemplo: (i) corte de gastos com pessoal; (ii) redução de salários de funcionários púbicos; (iii) redução de gastos em custeio e investimento em determinadas áreas; (iv) corte no valor das pensões acima de determinado valor; (v) demissões de funcionários públicos; (vi) aumento do número de horas semanais trabalhadas com respectiva redução de salários dentre outras. Essas devem ser complementadas com uma forte mudança na arrecadação. Nesse caso, está proposto: (i) aumento do imposto de renda; (ii) aumento do imposto sobre consumo de diversos produtos; (iii) aumento do imposto sobre propriedade e muitas outras ações correlatas.
Todas essas ações devem ser complementadas, no caso da Grécia, com um programa de privatizações que prevê arrecadar € 50 bilhões no espaço de 4 anos. Avaliando o programa, nota-se que o mesmo já está com o cronograma atrasado. E, como na previsão inicial, o recurso obtido com as privatizações seria usado para aliviar a enorme quantidade de recursos que deve ser destinada para pagamento de juros e principal de dívida do país, é de se esperar que novos problemas de fluxo de caixa venham a permear o mercado financeiro nos próximos meses.
No caso da Irlanda, o problema principal estava relacionado ao sistema bancário com sua excessiva alavancagem, e o resultado que tal cenário produziu no mercado imobiliário. Até o momento, o governo da Irlanda já gastou o equivalente a € 46 bilhões para sanear os bancos no país. Além disso, as ações para a redução da alavancagem e mais a necessidade de recapitalização, devem fazer com que um dos vetores importantes do crescimento econômico deixe de atuar nos próximos anos, qual seja, o crédito. Também pudera, o total de crédito na economia chegou a 320% do PIB no período pré-crise de 2008. Um nível sem precedentes, mesmo quando comparado com qualquer outro país. Por fim, o cenário para Portugal não foge da realidade dos demais: déficits orçamentários combinado com rédeas frouxas no sistema bancário, contribuíram para o país acumular dívida muito além de sua capacidade de pagamento.
Em comum nessa discussão, temos, de um lado, três economias que devem passar por um forte ajuste das contas públicas, enfrentam problemas políticos, restrições de crédito no mercado de títulos e uma baixa competitividade. Ao combinar o ajuste necessário com o fluxo de caixa que se desenha para os próximos anos, nota-se que os programas de reestruturação macroeconômicas que devem ser impostos, irão, em sua maioria, colocar mais dificuldade para o crescimento. Com isso, menor deverá ser a dinâmica da arrecadação, tornando mais difícil produzir um equilíbrio orçamentário. Aliás, nas previsões feitas nesse cenário, o déficit perdura ainda pelo menos até 2014.
Diante dessas perspectivas e da forte relação bancária que existe entre outros países e esse grupo, as reuniões feitas até o momento não conseguiram chegar a um consenso. De um lado, fala-se de um possível efeito sistêmico da ordem de € 300 bilhões e, de outro, a dificuldade em nominar “quem paga a conta”. Para complicar, há eleições em alguns países em 2012.
Atualmente, os € 440 bilhões destinados ao EFSF se mostram claramente insuficientes para fazer frente a uma iminente, mas cada vez mais certa necessidade de um segundo pacote financeiro. Há dívida vencendo e que não irá ser paga, pois esses países estão em uma situação de déficit orçamentário. Como não podem emitir moeda e não conseguem o benefício de um câmbio desvalorizado, resta a alternativa de socorro do Banco Central Europeu. Esse, aliás, já fez compras no mercado secundário, ajudando em parte o enfrentamento da crise. Mas, suas ações tem limite, e essa se chama inflação, muito pontuada pela Alemanha.
Se existe um ponto positivo desse cenário é a clareza do caminho que a crise está tomando. Tal como posto, estamos definindo a escolha de dois cenários: (i) ajuda financeira, seja via compra de títulos por parte do Banco Central, novos recursos do FMI, dos governos com colateral ou participação do setor privado; ou (ii) default com as consequências que todos conhecemos. Não há dúvida de que deverão escolher a primeira opção. É apenas um problema político.

Publicado no Informe Econômico 24/outubro/2011

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