quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O caso Lehman Brothers e os desdobramentos da crise financeira para o Brasil

O Lehman Brothers, instituição financeira de 158 anos, era o 4º maior banco de investimentos dos EUA, e integrava uma lista de cinco grandes instituições (Goldman Sachs, Merrill Lynch, Morgan Stanley e Bear Sterns).  Desde o início da crise de crédito subprime no ano passado, a situação da instituição começou a piorar quando se constatou que o valor da carteira de ativos do Banco, lastreada em hipotecas, era menor do que o de mercado. O resultado disso foram perdas de mais de US$ 8 bilhões no período jun/07 até ago/08, e se admitiu que ainda existe um grande prejuízo a ser reconhecido.
Cabe destacar que o Lehman Brothers, assim como outros bancos de investimentos, não recebia depósitos e não fazia crédito ao público. Apenas negociava com outros bancos e instituições de investimento vendendo carteiras de crédito. Esse é o primeiro ponto que diferencia essa crise de outras, pois ela ocorre no sistema financeiro não bancário atingindo, principalmente, as instituições voltadas ao mercado de capitais e seguradoras. Com a constatação que essas carteiras possuem um valor menor que o contabilizado, todos os que negociavam com esses bancos devem ter perdas. Porém, essas são de difícil mensuração. O certo é que deve haver uma maior restrição ao crédito para consumo e investimento, contaminando outros setores da economia dos EUA e outros países.

A primeira questão que se impõe é, por que o Tesouro Americano não ajudou o Lehman Brothers, visto que, já havia estendido a mão ao JP Morgan a comprar o Bear Sterns e, na prática, nacionalizou a Fannie Mae e a Freddie Mac? Para evitar que as instituições que enfrentam dificuldades incorressem em risco moral, não ajudar o Lehman Brothers, num primeiro momento, tem o objetivo de sinalizar ao mercado que os próprios bancos devem buscar os meios de se recuperar. Ou seja, se os investidores tiverem certeza que o Banco Central e o Governo sempre irão salvá-los em tempos de dificuldades, não terão incentivos para operarem de forma menos arriscada.
Por outro lado, constata-se que o setor financeiro é, recorrentemente, mais amparado em momentos de crise do que os outros setores da economia. Isso ocorre, entre outros motivos, porque esse segmento é o responsável pelo estoque de riqueza das famílias. Perceba que quando outros setores entram em crise, há uma redução no fluxo de renda das famílias, mas quando o problema ocorre com um banco é o estoque de riqueza dos investidores que é atingido. Por exemplo, quando uma pessoa fica desempregada ela deixa de ganhar salário, assim o seu fluxo de renda é interrompido, entretanto ela não perde seu patrimônio, tal como automóvel, moradia e poupança. Portanto, na comparação com os demais tipos de crises, as financeiras tem um maior potencial de contágio e de desestruturação das economias.
Quanto às repercussões no Brasil, é quase um consenso entre os analistas de que a crise chega aqui amortecida e que o principal impacto, além da volatilidade nos mercados financeiros, deve ser uma redução no crescimento econômico em 2009. Entretanto, o tamanho da desaceleração vai depender do impacto dessa crise na Ásia, em especial a China.
Mais especificamente, o impacto sobre a economia brasileira deve ocorrer basicamente por duas vias. A primeira é a financeira. A maior aversão ao risco deve limitar o fluxo de capitais para países emergentes, além do acesso a crédito por parte de empresas locais. Posteriormente pela via comercial. O menor crescimento nos EUA e na Europa pode reduzir a demanda por exportações brasileiras. Se por um lado, os exportadores sentem-se mais confortáveis com o câmbio mais desvalorizado, por outro haverá uma redução na demanda mundial. Novamente, o tamanho desse impacto vai depender de como os demais membros do BRIC vão digerir a crise.
Além disso, o País tem baixo grau de abertura econômica frente a padrões internacionais. A corrente de comércio (exportações + importações) sobre o PIB, é da ordem de 30%. Uma desaceleração econômica mundial pode reduzir a demanda por exportações do País, mas com impactos limitados.
A economia brasileira está preparada? Apesar de não saber se estamos no início, meio ou fim da crise, ao que tudo índica, a economia brasileira realmente nunca esteve tão bem preparada para uma crise internacional. De modo geral, três fatores devem sustentar o crescimento do País: (1) Elevadas reservas cambiais, próximas a US$ 200 bilhões, o que cria um “colchão” de liquidez para fazer frente a uma possível saída em massa de dólares do Brasil. (2) Menor endividamento externo. Ao longo dos últimos anos reduzimos esse e nos tornamos credor externo (a dívida é menor que as reservas). Com isso, o risco de corrida pelo dólar, é menor. (3) Câmbio flutuante. Esse sistema pode se ajustar a diferentes patamares de oferta e demanda por dólar, reduzindo a probabilidade de uma crise no Balanço de Pagamentos. 
Por fim, a maior certeza nesse momento é a de que o sinal de alerta deve continuar ligado, uma vez que o período de duração dessa conjuntura é incerto. Além disso, a crise no sistema financeiro norte-americano é a mais grave das últimas décadas, especialmente porque tem seu epicentro na maior economia do planeta, e já atinge 60% do PIB mundial, o que agrava as possibilidades de contágio.

Publicado no Informe Econômico de 22/09/2008

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