domingo, 10 de agosto de 2014

O gato subiu no telhado!

O título do texto refere-se a uma paródia
bem conhecida. Ao ficar sozinho em casa após a
viagem dos pais, o filho organiza uma festa e, por
descuido, coloca fogo na residência, levando a
mesma a perda total e, inclusive, matando o gato de
estimação da família. O pai liga para o filho para
saber se está tudo em ordem durante esse período de
ausência. O mesmo diz que está tudo bem mas,
como forma de introduzir o acontecimento, inicia
dizendo que o gato de estimação subiu no telhado.
Sabe-se que há diferentes formas de se
relatar acontecimentos. Uma muito comum é fazer
uso de pesquisas de opinião. Desde 2004 que a
FIERGS, em parceria com a CNI, avalia junto aos
empresários diversos pontos relacionados à atividade
industrial. Nessa pesquisa, de periodicidade
trimestral e abrangência nacional, os mesmos são
perguntados sobre os principais entraves aos seus
negócios. Uma lista de 13 opções é fornecida e três
devem ser escolhidas.
Os resultados históricos
surpreendem pela sua aderência ao cenário
macroeconômico, corroborando com as principais
preocupações de quem gera riqueza e emprego no
Brasil. Desde o início da pesquisa, o fator “carga
tributária elevada” sempre foi o principal entrave
citado. Em seu “pior” momento, ou seja, quando ele
foi menos lembrado, 63% dos empresários citaram
esse fator como entrave. Porém, em todas as demais
pesquisas, em torno de 70% dos empresários citam
os impostos como um importante entrave os
negócios. É difícil imaginar que, em 25 pesquisas
trimestrais esse item tenha figurado em todas e,
mesmo assim, alguém afirme que seja casuístico, ou
que talvez não seja necessária uma reforma do
sistema tributário. Basta olhar a evolução da
arrecadação de impostos, por parte das três esferas
de governo, para entender o alerta que os
empresários estão fazendo aos governantes. Dessa
forma, só resta concluir que esse realmente é um
problema estrutural e que deve estar na agenda de
qualquer governante.
O segundo item mais lembrado é a
“competição acirrada no mercado”. Obviamente,
esse é uma conseqüência da forte entrada de
concorrentes externos na economia brasileira, nos
últimos anos, com preços muito mais baixos que os
praticados por aqui. E isso não tem relação com a
competitividade “do portão para dentro da fábrica”,
e sim, desse para fora. Porém, pesquisas feitas por
diversos institutos nacionais e internacionais,
sinalizam o aumento do custo de produção no Brasil,
relativo a seus principais concorrentes.
Três fatores estão associados a esse processo
e também são apontados no levantamento trimestral:
(i) o elevado custo da matéria-prima; (ii) as altas taxas de
juros; (iii) a taxa de câmbio valorizada. Todos esses
retiram competitividade do produto nacional, seja ele
vendido aqui ou no exterior. E, somados à elevada carga
tributária, constituem os piores fardos à produção.
Há outros fatores que também são apontados e
que, por vezes, de acordo com a conjuntura, figuram
dentre os mais relevantes. Nas últimas pesquisas, nenhum
chama tanto a atenção quanto o item “falta de mão-deobra
qualificada”. Até o final de 2007, esse não figurava
nem entre os cinco maiores entraves. Porém, na medida
em que a economia nacional aqueceu, e a indústria
passou a ter necessidade de mais contratações, sua
importância como entrave para o setor aumentou.
Destaca-se que isso é natural, ainda mais que a produção
pode se ajustar muito mais rapidamente a aumentos da
demanda do que o processo de qualificação dos
trabalhadores. Nesse sentido, os efeitos adversos desse
descompasso começaram a se manifestar durante os três
primeiros trimestres de 2008, quando 20% dos
empresários apontavam dificuldades em encontrar mãode-
obra qualificada. Mas, os acontecimentos históricos se
encarregariam de interromper esse avanço. Um exemplo
disso advém do fato dos impactos da crise internacional
sobre a pesquisa no primeiro trimestre de 2009. Nesse
período, o item “falta de demanda”, foi apontado como
um dos principais entraves por 53% dos empresários, um
recorde histórico. Além disso, o cenário adverso derrubou
a demanda e a produção nacional, e a “mão-de-obra
qualificada” deixou de ser um problema para o setor.
Porém, a retomada da produção nos trimestres seguintes
foi muito intensa, e a última pesquisa voltou a mostrar
que 26,5% dos empresários industriais encontram
dificuldades em encontrar mão-de-obra qualificada.
As implicações desse cenário são diversas, e vai
desde os impactos sobre os salários, uma vez que
escassez do fator emprego pode resultar em aumento do
seu preço, até dificuldade em promover inovações. Os
indícios não são poucos. De janeiro a julho de 2010
foram contratados 22 mil trabalhadores estrangeiros no
Brasil. Um recorde histórico, muito superior aos 11 mil
de 2006. Desse total, 90% são contratos de trabalho
temporário e 60% com curso superior.
Destaca-se que a solução desse problema não
ocorre no curto prazo, pois demanda tempo para que se
complete o ciclo de treinamento do trabalhador. Mas,
com certeza, pode representar um entrave importante
para a continuidade do crescimento do setor nos
próximos anos, pelo menos na magnitude que
verificamos nos últimos meses. Se as pesquisas pudessem
falar certamente elas estariam dizendo para os políticos:
“o gato subiu no telhado”.

Publicado no Informe Econômico 01/novembro/2010

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