domingo, 10 de agosto de 2014

Crescimento mundial: capenga

O último relatório do FMI sobre a atividade
econômica mundial traz informações interessantes
sobre as perspectivas e os principais riscos que
envolvem os países para os próximos meses. Dois
pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, o
cenário heterogêneo de crescimento econômico, com
maior peso para os emergentes. Já para os
desenvolvidos, os dados mais recentes e os
fundamentos macroeconômicos deixam antever uma
estabilidade no processo de recuperação da crise que
pode resultar em um novo ciclo de recessão. Nesse
caso, o segundo ponto a ressaltar está relacionado
aos riscos no front externo. Esses estão concentrados
em quatro fatores: (i) o desequilíbrio externo; (ii) o
problema do crédito; (iii) a difícil recuperação do
mercado de trabalho; (iv) as elevadas dívidas.
O mesmo problema de antes da crise de
2008 persiste na relação comercial e financeira
internacional: os elevados déficits externos de
alguns países vis-a-vis os elevados superávits de
outros, em especial na Ásia. Esse cenário impõe a
necessidade de uma taxa de câmbio mais fraca para
incentivar as exportações. E isso já vem sendo
tentado pelos EUA, artifício sem o qual a saída da
crise será cada vez mais difícil. Ressalta-se que essa
não é uma solução fácil e rápida e, por mais que se
tenha em curso um processo de inversão no vetor de
crescimento da China – das exportações para o
consumo interno – bem como de outros países, entre
os quais se insere o Brasil, o processo de ajuste dos
desequilíbrios externos será lento e gradual.

Em relação ao crédito, o que se constata é
que existe, nos países desenvolvidos, problemas
tanto de demanda quanto de oferta. No primeiro
caso, o elevado endividamento das famílias e das
empresas limita o ímpeto para novos contratos. E
esse endividamento não é pequeno. Com a queda do
preço dos ativos imobiliários e a estagnação da
renda, a dívida das famílias é superior à sua renda,
dificultando o processo de retomada do consumo.
Para se ter uma ideia desse nível de
comprometimento, no Reino Unido para cada 100
unidades monetárias de renda, há 158 de dívida. Nos
EUA, essa relação é de 119 por 100 e, na Zona do
Euro, de 108 por 100. Um dos fatores que prejudica
uma mudança nesses números é a elevada taxa de
desemprego. E esse problema não tem solução fácil.
Estudos apontam que a volta para uma situação
considerada “normal”, em um cenário como o atual,
demora cerca de sete anos. Já pelo lado da oferta, há,
claramente, um problema de alocação de ativos por
parte dos bancos e demais agentes do sistema.
Característica comum em situações de pós-crise que
tiveram origem no mercado financeiro.
O terceiro fator de risco é a questão do
emprego. Desde a grande depressão da década de
1930 não se verifica uma taxa de desemprego tão
rígida nos EUA. O ponto crucial em se reduzir a
mesma dos 9% é que muitos dos empregos que foram
cortados na crise estão relacionados com o setor da
construção civil. Como se sabe, um segmento
intensivo em mão-de-obra em qualquer lugar do
mundo. E, como a retomada da atividade nesse
segmento será lenta – os investimentos são baixos, as
famílias estão endividadas e ainda há muito crédito
em default – naturalmente a recuperação do mercado
de trabalho será também lenta. Destaca-se que esse
cenário também se repete em outros países europeus.
Por fim, há que reforçar o problema de
endividamento dos governos que, em alguns casos,
que ultrapassa largamente o valor do PIB. Esse, por
sua vez, é potencializado com as projeções de déficit
orçamentário para os próximos anos. Por exemplo, no
Japão, cerca de 20% da dívida do governo vence até o
final de 2011 e, além disso, o orçamento projeta um
déficit de 4,4% do PIB. Cenário idêntico pode ser
verificado nos EUA e em vários países europeus. A
combinação de muito vencimento de dívida com
déficit orçamentário deixa uma mensagem clara para
os investidores: injeção de moeda na economia, com
taxas de juros baixas por um bom tempo ainda e perda
de valor das respectivas moedas.
A solução dessas e de outras questões
relativas às finanças nos países desenvolvidos devem
gerar impactos negativos nos próximos anos, com
destaque para: (i) a propensão a consumir das
famílias; (ii) o ajuste das contas externas. Para ajustar
as contas públicas, os governos deverão cortar gastos
e aumentar os impostos. Ambos com impactos
nocivos sobre a capacidade de crescimento da
economia, uma vez que pode resultar em menor renda
disponível para consumo. Esse resultado é
potencializado com a necessidade de poupança pelo
motivo previdenciário. Já o ajuste das contas externas
deverá atuar sobre a variável mais fácil em um
primeiro momento: a taxa de câmbio, uma vez que a
solução dos desequilíbrios entre países consumidores
e produtores, construída durante anos, não ocorrerá no
curto prazo. Nesse curso, o Brasil pode enfrentar
muitas dificuldades no cenário internacional, seja com
barreiras comerciais ou com a valorização do Real.

Fontes: IMF – World Economic Outlook, Recovery, Risk and
Rebalancing, October, 2010.
The Economist, A Special Report on the World Economy – the cost of
repair, October 9th, 2010.

Publicado no Informe Econômico 25/outubro/2010

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