domingo, 10 de agosto de 2014

O Fundo Soberano do Brasil - FSB

Apesar da expectativa de que a moeda
brasileira deverá apresentar uma tendência de
desvalorização leve, tendendo a terminar o ano por
volta de R$1,80/US$, o governo deverá contar em
2010 com mais um instrumento de controle na
dinâmica do câmbio: o Fundo Soberano. Criado em
fins de 2008, mas regulamentado apenas em 29 de
dezembro do ano passado, o Fundo Soberano do
Brasil (FSB) já conta com R$ 16,2 bilhões que
poderão ser usados tanto para o financiamento de
empresas públicas brasileiras no exterior (através da
compra de ações, entre outras medidas) como para
intervenção direta no mercado cambial. O FSB, apesar
de regulamentado, ainda não está “pronto para a
ação”, pois falta a constituição formal do conselho
deliberativo que deverá ser composto, entre outros
agentes, pelos ministros da Fazenda e do
Planejamento, bem como pelo presidente do Banco
Central.

O fundo brasileiro é bastante diferente do
modelo adotado internacionalmente. Nos países em
que se registra esse tipo de experiência (Emirados
Árabes Unidos, Arábia Saudita, China, Rússia e
Chile), os fundos foram criados para transformar o
excesso de poupança doméstica em aplicações
financeiras rentáveis que também funcionam como
uma alternativa de acumulação de ativos para
utilização em situações de crise. Em todos esses
países, o condicionante básico era a existência de
recursos excedentes para a formação do fundo, isto é,
verificava-se simultaneamente superávit em
transações correntes e superávit nominal - o que não é
o caso do Brasil. O país, além de registrar déficit na
conta corrente, tem expectativa de ver esse número
ainda piorado em 2010 mediante a redução do saldo
comercial. Além disso, o Brasil, que vinha
colecionando superávits primários - ainda que
insuficientes para registrar superávits nominais, viu
em 2009 seus números desabarem e dificilmente no
ano corrente conseguirá registrar valores muito
expressivos. Como se vê, diferentemente do que
aconteceu em outros países, a formação do FSB teve
uma motivação muito mais conjuntural do que
estrutural.
Aparentemente, o FSB nasceu motivado pela
necessidade do governo responder a uma série de
críticas sobre a sua “não-atuação” no sentido de evitar
a valorização excessiva da moeda que tanto prejudica
as exportações brasileiras. Assim, o FSB surge como
um instrumento de reparação da imagem do governo
junto ao setor produtivo nacional na questão câmbio.
Além disso, há obviamente a expansão da capacidade
do governo de intervir no mercado cambial, uma vez
que da forma como foi concebido, o fundo é de
responsabilidade do Tesouro Nacional, que passa
agora a ter poder semelhante ao Banco Central no
mercado de divisas.
A vinculação do fundo ao Tesouro Nacional
dá ao Ministério da Fazenda um segundo instrumento
de intervenção do governo no mercado de câmbio (o
primeiro é o IOF). O fundo tem potencialmente uma
capacidade maior de alterar a trajetória da dinâmica,
porém a magnitude de seus efeitos dependerá de como
será aplicado. A experiência internacional mostrou
que não é o volume de recursos que o fundo utiliza
que determina o sucesso de suas ações, mas sim sua
credibilidade e capacidade de sinalização para o
mercado de modo a evitar a formação de expectativas
desestabilizadoras.
No caso brasileiro, apesar dos recursos já
disponíveis, as compras ainda deverão demorar um
pouco para acontecerem uma vez que existe a
necessidade de ajustes estruturantes como comentado
anteriormente (formação do conselho deliberativo, por
exemplo). Porém, mesmo depois de começar a atuar,
não será surpresa se Banco Central e Tesouro tiverem
objetivos conflitantes. Nesse caso, é bastante razoável
admitir que algumas ações do fundo sejam
parcialmente neutralizadas por medidas do Banco
Central. Isso, à primeira vista, pode parecer estranho,
e de fato é quando nos referimos a fundos soberanos
tradicionais. Entretanto não podemos nos esquecer
que estamos nos trópicos, e coisas como a jabuticaba
só nascem por aqui. O nosso fundo soberano é híbrido
(isto é, misto), uma vez que condensa características
de fundo de investimentos com fundo de estabilização
cambial (como se tem nos EUA e no Japão), por isso
poderá atuar tanto no financiamento de empresas
quanto de intervenção no mercado cambial.
A idéia inicial é de que o fundo seja
abastecido pelo excedente de superávit primário em
relação à meta previamente estabelecida, além da
emissão de títulos de dívida do Tesouro Nacional. O
problema é que o direcionamento de recursos para
outros fins que não sejam para o pagamento da dívida
pública acabam por atrasar a sua redução, o que
certamente tem implicações sobre a dinâmica dos
juros e, assim, sobre o próprio câmbio. Outro
problema é que atualmente a dívida bruta se encontra
em patamares históricos e novas emissões somente
contribuiriam para piorar esse cenário.
O governo ainda não marcou data para o
início da atividade do FSB, que pode ser que nem
ocorra em 2010. Não se pode esquecer que o câmbio
valorizado tem efeito positivo sobre o poder de
compra da população e sobre o controle da inflação. E
em ano de eleição, ninguém quer ver poder de compra
de eleitor caindo, nem o fantasma da inflação
assombrando o pleito.

Publicado no Informe Econômico 22/fevereiro/2010

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