domingo, 10 de agosto de 2014

A crise volta à cena

Nas últimas semanas, o mundo voltou a falar
em crise de uma forma mais enfática, como se ela
estivesse viva, presente no meio de nós, e não mais
como eco de um passado recente. Todavia, muito
diferente do que aconteceu em 2008 e que se arrastou
ao longo do primeiro semestre de 2009, a crise não
está mais no sistema financeiro, mas sim nos Estados,
isto é, é uma crise dos países. Basicamente a situação
mais preocupante é a dos europeus. Irlanda, Portugal,
Espanha, Itália e Grécia passam por uma conjuntura
de aperto financeiro ímpar na sua história recente. A
Espanha atinge níveis recordes de desemprego e a
Grécia anunciou que apenas tem recursos para um
horizonte inferior a 30 dias, e, nessas condições,
precisa (com urgência) que o restante da Europa lhe
ajude com um volume significativo de recursos, a
juros baixos. Não é nem preciso muitas linhas para
explicar quão difícil de resolver essa situação. Quem
estaria disposto a emprestar a juros baixos a um país
em situação de default? Talvez quem quisesse salvar a
unicidade da Europa e a força do Euro. O problema é
que os que apóiam esses objetivos se escasseiam a
cada dia. Aos poucos, a Europa rica (especialmente a
Alemanha) se vê cada vez mais na posição de
questionar a transferência unilateral de recursos para
países como a Grécia que teimam em não fazer sua
lição de casa.

Sempre uma crise abala a unidade. Sendo
assim, não fica difícil imaginar que a mesma situação
ocorreria, em proporções muito maiores quando está
se falando em um conjunto de países. É inegável que
todos os Estados da zona do Euro apresentam
fragilidades e que, estando unidos em torno de uma
mesma moeda, têm limitações importantes para
corrigir, especialmente no curto prazo, as suas
conseqüências. Desvalorizar a moeda, mesmo com os
riscos ligados a espirais inflacionárias, sempre está na
primeira linha das cartilhas dos que querem optar pelo
caminho mais fácil – o que os países que aderiram ao
Euro não podem fazer individualmente.
A crise que hoje emerge nesses países não é
fruto de um excesso nos gastos em socorro às
instituições financeiras como muitos tentam vender.
Muito pelo contrário. A crise é fruto de uma série de
ineficiências que impedem a recuperação dessas
economias depois da festa do crédito no mundo ter
acabado. Na Espanha, por exemplo, se observa o
epicentro de todas as fragilidades verificadas no
continente. Naquele país, o excesso de rigidez no
mercado de trabalho compensado por legislações de
caráter imediatista acabaram por reduzir a
produtividade do trabalho, que ficou menos
competitivo e, com isso, mais pobre. O mesmo parece
acontecer na Itália. Além disso, existe o problema
intrínseco do excesso de endividamento dos
consumidores que, altamente vinculados aos gastos
com hipotecas, não tem capacidade de funcionar como
uma espécie de alavanca para a economia nacional.
Situação semelhante se observa na Irlanda.
No entanto, quando se observa a situação
espanhola, nada parece mais crítico do que o do
sistema de reajustes de salários. Naquele país, o
pagamento é determinado a partir de um sistema
complexo de acordos entre regiões e setores
industriais. Isso torna o ajustamento dos salários um
mecanismo lento e pouco maleável à incorporação de
novas conjunturas econômicas. Ao proteger direitos
individuais dos trabalhadores que permanecerão no
emprego após a avalanche de demissões, esse sistema
aprofunda o desemprego que já alcança os quase
inimagináveis 19,5%. Só para se ter uma idéia, de
acordo com a “The Economist” no ano de 2009, os
trabalhadores espanhóis receberam em média um
aumento de 3%, ainda que o país apresentasse uma
crise profunda, que já se assinalava de difícil reversão,
e a inflação registrada fosse zero. Isso aliado a um
contingente de trabalhadores mal treinados (caso
comparados aos alemães, outros colegas de bloco)
acabou constituindo um cenário de fraca expansão da
produtividade.
Ainda assim, pode-se dizer que são as
finanças da sociedade que estão em crise na Espanha,
e não as do governo espanhol. Durante os anos de
boom, aplicou-se na Espanha, diferentemente do que
ocorreu na Grécia, uma política de controle dos gastos
públicos que garantiu ao setor público uma certa
sanidade. No entanto, não é possível manter finanças
públicas saudáveis se a economia passa por um longo
período sem crescer. E por isso é que parece cada vez
mais necessária a idéia de implementação de reformas
de forma a adequar a Espanha aos condicionantes da
competitividade internacional.
Pois bem, e nós o que temos com isso? Muita
coisa. No Brasil, se por um lado não se tem um
contingente gigantesco de pessoas endividadas com
hipotecas, por outro lado tem-se um mercado de
trabalho rígido demais comparado com os outros
players que atuam nos mesmos mercados que nós.
Conta-se com um universo incontável de mão-de-obra
despreparada - analfabetos funcionais que impedem
incrementos de produtividade da economia nacional.
Além disso, temos uma cultura de governo que
tempos de abundância não são o momento adequado
para reformas, mas sim para aprofundar gastos,
especialmente os correntes. Realmente, a nossa
situação é melhor hoje do que foi em outros tempos,
porém não é um passaporte permanente para uma
conjuntura tranqüila. Se as reformas não acontecerem
enquanto é tempo, a conta virá cedo ou tarde.

Publicado no Informe Econômico 01/março/2010

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