Na semana passada o IBGE divulgou os
dados do PIB do primeiro semestre do ano, o aumento de 6% sobre o mesmo período
do ano passado, é o maior valor desde 2004. Se por um lado esse resultado
merece comemoração, por outro, deixa claro o risco de esgotamento desse cenário
no curto prazo.
Diversos são os motivos que nos levam a
crer que essa taxa não é compatível com a situação macroeconômica interna e
externa. Os números do IBGE reforçam a tese de descompasso entre oferta e
demanda. O consumo das famílias expandiu 6,6% no primeiro semestre, completando
vinte trimestres seguidos de desempenho acima do PIB. Isso é o equivalente a
uma taxa de 5% ao ano durante cinco anos, o suficiente para dobrar o tamanho da
economia em menos de 15 anos. É o maior ciclo já registrado no País na era do
pós Plano Real. Para se ter uma dimensão do impacto dessa expansão basta ver
que o gasto dos consumidores, no Brasil, representa cerca de 60% do PIB.
Portanto, nesse primeiro semestre, somente as compras das famílias já seriam
suficientes para garantir um PIB de 4%.
Um termo muito comum entre os
economistas poderia ser utilizado para representar esse cenário: “demanda
reprimida”. Os juros elevados, os prazos curtos e as incertezas que rondavam os
contratos do sistema financeiro, limitavam tanto a oferta de crédito por parte
dos bancos, quanto o apetite dos consumidores. A mudança de cenário veio com o
aumento da oferta de trabalho no mercado formal e os constantes reajustes de
salário acima da inflação. Além disso, boa parte desse consumo de hoje também
pode ser explicado pelas exportações e pelos gastos públicos dos trimestres
passados, naquilo que conhecemos como efeitos multiplicadores. Frear essa
expansão não será um processo fácil e muito menos rápido. A seqüência de
apertos monetários do Banco Central, iniciado em abril, ainda nem começou a ter
efeito e seus impactos maiores estarão sendo reservados para o último trimestre
desse ano e para 2009. Além disso, o governo continua com as torneiras do gasto
abertas, contribuindo cada vez mais para aumentar a demanda interna.
Os sinais de crescimento acentuado estão
impressos em toda a economia. Os serviços, fortemente ligados ao consumo das
famílias, crescem 5,25% no ano, o melhor resultado desde 1995. A atividade de
transporte e armazenagem mostra que há um grande movimento de cargas no País. A
circulação de veículos leves nas estradas concedidas no Brasil é 8,1% maior que
no primeiro semestre de 2007, e o de veículos pesados 7,3%. A maior liquidez na
economia faz com que o aumento do crédito também impulsione a atividade nas
instituições financeiras. Como todos sabemos, os bancos comerciais têm o poder
de multiplicar os recursos disponíveis, emprestando recursos além do que
possuem. E se o Banco Central quisesse segurar um pouco a liquidez, a melhor
estratégia era aumentar o compulsório, aplicado aos bancos, seja sobre
depósitos à vista ou a prazo. Com certeza os impactos sobre a sociedade teriam
menor custo que o aumento de juros. Na atividade de seguros os resultados
também não são diferentes, há um crescimento de 9,2% no número de seguros de
automóveis nos últimos 12 meses terminados em junho.
Para dar conta dessa maior demanda
interna é necessário aumentar os investimentos. E de fato isso está ocorrendo.
O resultado desse primeiro semestre é o maior desde 1995, e completa um ciclo
de oito trimestres seguidos de expansão. Realmente um evento ímpar na história
econômica contemporânea do Brasil, mas ainda insuficiente para atender a essa maior
demanda. A justificativa é a relação investimento/PIB, que no último trimestre
atingiu 18,7%, também o maior patamar desde o início do ano 2000. Mas, para a
conta fechar, eliminando pressões inflacionárias, devemos aumentar essa taxa em
pelo menos mais 5 pontos percentuais. E de onde viria esse dinheiro? Bem, a
poupança interna, no primeiro semestre, ficou em 17,9% do PIB. Portanto, cerca
de 1 ponto percentual abaixo do investimento. Dessa forma, é a poupança externa
que está nos ajudando a investir.
E é justamente nesse ponto que reside a
dúvida. Não tem como a demanda continuar crescendo nesse ritmo durante mais
seis anos, que seria o tempo necessário para elevar a taxa de investimento/PIB
do nível atual para 20% sem aumentar a poupança. Mas não temos poupança interna
suficiente para investir, o que nos obriga recorrer à poupança externa. Pois
bem, o cenário macroeconômico externo inspira cuidados nos próximos meses. A
aversão ao risco aumentou, o que pode resultar em menor apetite por países
emergentes. Mesmo em um cenário positivo, de investimentos estrangeiros no
Brasil da ordem de US$ 30 bilhões/ano, o que já seria fantástico, não será
suficiente para impulsionar o investimento para próximo a 20% do PIB.
Não há milagres em economia. E não há
como evitar a cobrança sobre o governo. Uma poupança pública adicional de 2
pontos percentuais do PIB poderia ajudar a resolver o gargalo da poupança e o
financiamento do investimento. A falta de entendimento de como funciona a
economia irá acabar por sepultar esse ciclo de crescimento, e deixar uma
herança negativa para além de 2010. O governo deve poupar mais para abrir
espaço para as famílias continuarem a consumir e as empresas investirem. Essa é
a premissa do sistema capitalista de geração de riqueza.
Publicado no Informe Econômico de 15/09/2008
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