quarta-feira, 6 de agosto de 2014

PIB: a demanda segue aquecida,....e agora?

Na semana passada o IBGE divulgou os dados do PIB do primeiro semestre do ano, o aumento de 6% sobre o mesmo período do ano passado, é o maior valor desde 2004. Se por um lado esse resultado merece comemoração, por outro, deixa claro o risco de esgotamento desse cenário no curto prazo.
Diversos são os motivos que nos levam a crer que essa taxa não é compatível com a situação macroeconômica interna e externa. Os números do IBGE reforçam a tese de descompasso entre oferta e demanda. O consumo das famílias expandiu 6,6% no primeiro semestre, completando vinte trimestres seguidos de desempenho acima do PIB. Isso é o equivalente a uma taxa de 5% ao ano durante cinco anos, o suficiente para dobrar o tamanho da economia em menos de 15 anos. É o maior ciclo já registrado no País na era do pós Plano Real. Para se ter uma dimensão do impacto dessa expansão basta ver que o gasto dos consumidores, no Brasil, representa cerca de 60% do PIB. Portanto, nesse primeiro semestre, somente as compras das famílias já seriam suficientes para garantir um PIB de 4%.

Um termo muito comum entre os economistas poderia ser utilizado para representar esse cenário: “demanda reprimida”. Os juros elevados, os prazos curtos e as incertezas que rondavam os contratos do sistema financeiro, limitavam tanto a oferta de crédito por parte dos bancos, quanto o apetite dos consumidores. A mudança de cenário veio com o aumento da oferta de trabalho no mercado formal e os constantes reajustes de salário acima da inflação. Além disso, boa parte desse consumo de hoje também pode ser explicado pelas exportações e pelos gastos públicos dos trimestres passados, naquilo que conhecemos como efeitos multiplicadores. Frear essa expansão não será um processo fácil e muito menos rápido. A seqüência de apertos monetários do Banco Central, iniciado em abril, ainda nem começou a ter efeito e seus impactos maiores estarão sendo reservados para o último trimestre desse ano e para 2009. Além disso, o governo continua com as torneiras do gasto abertas, contribuindo cada vez mais para aumentar a demanda interna.
Os sinais de crescimento acentuado estão impressos em toda a economia. Os serviços, fortemente ligados ao consumo das famílias, crescem 5,25% no ano, o melhor resultado desde 1995. A atividade de transporte e armazenagem mostra que há um grande movimento de cargas no País. A circulação de veículos leves nas estradas concedidas no Brasil é 8,1% maior que no primeiro semestre de 2007, e o de veículos pesados 7,3%. A maior liquidez na economia faz com que o aumento do crédito também impulsione a atividade nas instituições financeiras. Como todos sabemos, os bancos comerciais têm o poder de multiplicar os recursos disponíveis, emprestando recursos além do que possuem. E se o Banco Central quisesse segurar um pouco a liquidez, a melhor estratégia era aumentar o compulsório, aplicado aos bancos, seja sobre depósitos à vista ou a prazo. Com certeza os impactos sobre a sociedade teriam menor custo que o aumento de juros. Na atividade de seguros os resultados também não são diferentes, há um crescimento de 9,2% no número de seguros de automóveis nos últimos 12 meses terminados em junho.
Para dar conta dessa maior demanda interna é necessário aumentar os investimentos. E de fato isso está ocorrendo. O resultado desse primeiro semestre é o maior desde 1995, e completa um ciclo de oito trimestres seguidos de expansão. Realmente um evento ímpar na história econômica contemporânea do Brasil, mas ainda insuficiente para atender a essa maior demanda. A justificativa é a relação investimento/PIB, que no último trimestre atingiu 18,7%, também o maior patamar desde o início do ano 2000. Mas, para a conta fechar, eliminando pressões inflacionárias, devemos aumentar essa taxa em pelo menos mais 5 pontos percentuais. E de onde viria esse dinheiro? Bem, a poupança interna, no primeiro semestre, ficou em 17,9% do PIB. Portanto, cerca de 1 ponto percentual abaixo do investimento. Dessa forma, é a poupança externa que está nos ajudando a investir.
E é justamente nesse ponto que reside a dúvida. Não tem como a demanda continuar crescendo nesse ritmo durante mais seis anos, que seria o tempo necessário para elevar a taxa de investimento/PIB do nível atual para 20% sem aumentar a poupança. Mas não temos poupança interna suficiente para investir, o que nos obriga recorrer à poupança externa. Pois bem, o cenário macroeconômico externo inspira cuidados nos próximos meses. A aversão ao risco aumentou, o que pode resultar em menor apetite por países emergentes. Mesmo em um cenário positivo, de investimentos estrangeiros no Brasil da ordem de US$ 30 bilhões/ano, o que já seria fantástico, não será suficiente para impulsionar o investimento para próximo a 20% do PIB. 
Não há milagres em economia. E não há como evitar a cobrança sobre o governo. Uma poupança pública adicional de 2 pontos percentuais do PIB poderia ajudar a resolver o gargalo da poupança e o financiamento do investimento. A falta de entendimento de como funciona a economia irá acabar por sepultar esse ciclo de crescimento, e deixar uma herança negativa para além de 2010. O governo deve poupar mais para abrir espaço para as famílias continuarem a consumir e as empresas investirem. Essa é a premissa do sistema capitalista de geração de riqueza.


Publicado no Informe Econômico de 15/09/2008

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