domingo, 10 de agosto de 2014

Nunca na história "daqueles países".

A história é pródiga em revelar fatos que acabam
por contestar afirmações que foram feitas no presente.
Em economia isso é muito comum. Pergunte a um
profissional da área sobre sua avaliação da conjuntura
no curto prazo e as previsões sobre a economia, anote
o resultado e, depois de um par de anos, marque uma
reunião para discutir os números. Errar as previsões
em economia é tão ou mais comum do que prever
clima. O ponto central é que essa ciência trabalha com
o aleatório, o amanhã não necessariamente será igual
ao hoje e, com certeza, muito diferente de ontem.
Entretanto, errar a avaliação da história
econômica já é algo um pouco mais difícil de aceitar.
Apesar de se poder falar sobre o passado a partir de
diferentes pontos de vista, não há como contestar fatos
e números. Pergunte a um profissional de economia
uma opinião sobre os resultados dos últimos oito anos
no Brasil. Compare essa avaliação com os dados reais
e veja como podemos ter diferentes abordagens. Por
exemplo, se ele for alguém relacionado ao mercado
financeiro, é quase certo que irá dizer que: “nunca na
história desse país ganhei tanto dinheiro” - mesmo
considerando as perdas com a crise de 2008. Por outro
lado, se ele estiver ligado ao setor empresarial irá citar
a maior dificuldade no ambiente de negócios no país,
com o aumento de impostos, as dificuldades logísticas
com os baixos investimentos em infraestrutura e a
perda de competitividade externa, em especial devido
a rápida valorização do câmbio no período. Se for um
economista que trabalha com dados do mercado de
trabalho, irá dizer que nunca tivemos reajustes reais
de salário em tamanha intensidade e tão disseminado
entre os setores de atividade produtiva. Ainda, se for
um analista de finanças públicas, irá afirmar que
“nunca na história desse país o governo gastou tanto
com folha de pagamento e custeio da máquina
administrativa”. Também poderemos encontrar
relatórios que irão dizer “nunca na história desse país
crescemos tanto, geramos tantos empregos e
exportamos tanto”.

Antes de mais nada, vale ressaltar que todos estão
certos. Nos últimos oito anos os ativos no mercado de
capitais pagaram prêmios fantásticos. O PIB cresceu
de forma acelerada, 3,55% em média ao ano e
geramos 8,7 milhões de empregos, contribuindo para
reduzir a taxa de desemprego a níveis historicamente
baixos – apesar de sua metodologia ser um pouco
questionável. As exportações passaram de US$ 60
bilhões em 2002 para US$ 153 bilhões em 2009. E
isso tudo em um ambiente onde a carga tributária, que
era de 32% do PIB em 2003 atingiu os 37% em 2009,
e obrigou o brasileiro a trabalhar 2.600 horas no ano
apenas para pagar impostos, a mais alta servidão
privada ao setor público da América Latina.
Nesse ambiente dito “extremamente favorável”, o
câmbio ficou 50% mais valorizado, tornando mais
difícil produzir no país – veja os indicadores de
liberdade econômica calculados pela Heritage
Fundation, ou então, o relatório do Banco Mundial,
Doing Business. Diante de tantos números positivos, é
natural o pensamento de que o Brasil foi descoberto –
pelo menos do ponto de vista econômico – em 2003.
Assim, surge o questionamento de quais eram os
motivos que nos impediam de crescer anteriormente a
taxas como as que são observadas agora. Ou seja, quais
os fatores responsáveis pela mudança positiva que se
deu nos últimos oito anos? A história nos ajuda a
elucidar os verdadeiros fatos por trás desses bons
resultados. Boa parte destes números se deve a ventos
favoráveis que sopraram sobre a economia mundial.
Isso pode ser visto a partir da taxa média de
crescimento do PIB de vários países do mundo. Para
facilitar a abordagem, a mesma é dividida em dois
períodos. O Primeiro vai de 1995 a 2002 e, o segundo,
de 2003 a 2009. Os resultados, que podem ser vistos em
um gráfico, são esclarecedores. A maioria dos países
cresceu mais entre os anos de 2003 e 2009 do que no
primeiro período. Um ponto importante de se destacar é
que esse comportamento é verificado em especial no
grupo de países emergentes.
Vários elementos ajudam a explicar o bom
desempenho desses países nos últimos anos. Vejamos
alguns: (i) o alto preço das commodities, que resultou
em um bom fluxo de dólares para os países
exportadores, notoriamente, os emergentes; (ii) a
elevada liquidez de capitais, que permitiu reduzir o
acúmulo de reservas por parte de Bancos Centrais,
fomentou investimentos diretos e foi decisivo para a
capitalização do mercado acionário em alguns países;
(iii) a ausência de guerras de grande magnitude; (iv) a
entrada maciça de consumidores chineses e indianos
gerando demanda adicional por vários produtos; (v) as
baixas taxas de juros reais que ajudaram a reduzir o
risco soberano. Diante dos tantos fatos históricos,
parece natural supor que, se estivéssemos avaliando o
desempenho da economia mundial, poderíamos afirmar
“nunca na história daqueles países”.

Publicado no Informe Econômico 03/maio/2010

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