domingo, 10 de agosto de 2014

A Grécia e o primeiro grande desafio do EURO

O mercado financeiro mundial balançou na
semana passada como as dificuldades fiscais da
Grécia. O país declarou não ter recursos para pagar a
parcela da dívida, de cerca de € 8,5 bilhões, que vence
no próximo dia 19 de maio. Para isso, solicitou ao
FMI e aos outros países-membro ajuda de crédito que
veio na forma de um pacote de € 110 bilhões para os
próximos 3 anos. Porém, esse não foi suficiente
afastar a desconfiança dos investidores de que a crise
grega contamine outros membros do grupo, sobretudo
Portugal, Irlanda, Itália e Espanha. Para tentar reduzir
de vez esse risco, nesse final de semana foi criado um
fundo de suporte ao Euro que contará com € 500
bilhões vindos dos países-membro e € 250 bilhões do
FMI.

Primeiramente, destaca-se que a economia da
Grécia é muito pequena, menos de 0,5% do PIB
mundial. De modo que a sua falência não tem a força
para afetar diretamente o desempenho da economia
mundial. Contudo, existe elevado risco de contágio
para os outros 15 países membros do euro. A dívida
grega, no consolidado de 2009, atingiu US$ 286
bilhões, superior a 100% do PIB. Sendo que um terço
dessa dívida vence nos próximos 3 anos e tem como
principais credores países Europeus, na ordem:
França, US$ 75 bilhões; Alemanha, US$ 45 bi;
Inglaterra, US$ 15 bi; Irlanda US$ 8,5 bi, e Itália, US$
7 bi. Uma vez que esses países também apresentam
uma situação financeira delicada, não é difícil
perceber que um possível calote pode desencadear
uma série de outros riscos de default. Caso isso
ocorra, os impactos podem ser piores do que aqueles
da crise dos EUA.
Em segundo lugar, é preciso ter claro que a
situação em que a Grécia se encontra é resultado da
escolha dos gregos. Desde o início dos anos 1980 até
a sua entrada no euro, em 2001, a economia grega
apresentou baixo crescimento, média de 1,5% ao ano,
e elevado déficit nas contas públicas e em transações
correntes, os chamados déficits gêmeos. No período
de 2001 a 2009, o crescimento médio anual mais do
que dobrou, 3,3% a.a.. Sendo que o déficit em
transações correntes agravou-se e os déficits primários
permaneceram no campo negativo.
Portanto, depois de 30 anos vivendo como
Deuses, consumindo mais do que produzindo e
gastando mais do que poupando, o modelo ruiu e a
conta deve ser paga. A entrada no euro retardou o
colapso do modelo social-democatra irresponsável
adotado em muitos países da Europa e alimentado por
décadas de governos populistas na Grécia. A
economia beneficiou-se do arcabouço institucional e
credibilidade do euro, que trouxe investimentos e
liquidez para o país, postergando a necessidade dos
ajustes nas contas internas e externas. O desenrolar da
crise de 2008 serviu como estopim para acionar a
bomba que foi armada durante esses 30 anos. A
retração dos investimentos internacionais, a queda no
PIB, e a necessidade de medidas fiscais para evitar a
crise terminaram por colapsar as contas públicas do país
até não haver mais recursos para honrar os
compromissos de curto prazo.
O ponto mais grave é que a situação da Grécia não
é um caso isolado na região, há outros países no mesmo
caminho. Desse modo, o pacote aprovado pelo bloco
nesse final de semana é um esforço para blindar o Euro
e fazer com que a tragédia grega não se espalhe.
Contudo, é difícil decidir a melhor estratégia a ser
tomada numa união monetária, em que os países
operam numa camisa de força, dado que a taxa de
câmbio é fixa, única para todos e existem muitas
restrições sobre a política monetária. Nesse caso, os
ajustes são efetuados através de políticas recessivas e
deflacionárias, com resultados nefastos sobre o nível de
emprego e salários reais. Ou seja, a economia deve se
ajustar pelo lado real e não pelo lado monetário.
Portanto, essa crise põe em xeque a
sustentabilidade do Euro, devido à inexistência de
mecanismos de coordenação da política fiscal e
monetária entre os países. Esse pode ser o problema
mais grave do Euro e o principal desafio para a sua
sobrevivência. Mesmo que a questão da Grécia seja
superada, existe um problema no longo prazo, que é a
diferença no padrão de poupança dos países do norte e
do sul da Europa. De modo que, quando são colocados
dois países como a Grécia e a Alemanha sobre o
guarda-chuva da mesma política monetária, a taxa de
juros praticada é muito alta para a Alemanha e muito
baixa para a Grécia, resultando em desequilíbrios em
ambos os países. O problema fundamental é que
economias como a Grécia e a Alemanha que possuem
políticas fiscais e, sobretudo, opções de política
econômica diferente para o longo prazo não podem ter a
mesma moeda, taxa de juros e taxa de câmbio.
Porém, abandonar o euro é uma opção que só
agravaria o problema da Grécia. Caso essa estratégia
fosse adotada, a arrecadação do governo passaria a ser
em dracma, uma moeda mais fraca. Enquanto, a dívida
continuaria sendo em euros. Visto que, por questões
legais, a dívida não pode ser convertida em dracmas, no
fim das contas, o problema fiscal se agravaria.
Manter países com características tão desiguais sob
a mesma política monetária será o primeiro grande
desafio que o Euro enfrentará desde sua criação. A
aprovação do novo programa de suporte à moeda é um
passo na direção do fortalecimento do grupo, porém os
desafios daqui em diante serão imensos. Resta saber se
o Euro sobreviverá à sua primeira grande crise.

Publicado no Informe Econômico 10/maio/2010

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