domingo, 10 de agosto de 2014

Nova recessão ou só uma desaceleração?

O exercício da atividade de vidente em
economia, como que se estivéssemos visualizando
em um computador o futuro da produção, empregos
e salários, é tentador. Porém, há momentos em que
fazer essa previsão é mais fácil, como, por exemplo,
durante o ciclo de prosperidade de 2003-2008,
quando todas as variáveis sinalizavam na mesma
direção e vários países estavam envoltos em
perspectivas de continuidade do crescimento. O
exercício de previsão também é fácil quando o
cenário negativo se torna difundido, como foi o caso
dos últimos meses do ano de 2008 e durante boa
parte de 2009.

Atualmente, analisar a conjuntura tem sido
um exercício difícil. Em dado momento, são
divulgados números que revelam uma perspectiva
favorável para a economia mundial e as bolsas
reagem positivamente. Na semana seguinte, o
discurso do presidente do Banco Central dos EUA
modifica o cenário de médio prazo, ou é um número
de produção que vem abaixo das expectativas de
mercado, e o mercado de câmbio, títulos e ações
torna-se mais volátil. Afinal de contas, a economia
mundial está em trajetória de recuperação, ou
estamos flertando com uma possível retração que irá
comprovar a tese do double dip?
Os fatores que contribuem para fomentar
essa dúvida estão presentes em vários países. De um
lado, têm-se aqueles que reforçam a tese de uma
nova recessão: (i) os EUA, com sua fraca dinâmica
do mercado de trabalho; (ii) alguns países da Europa
com suas dificuldades fiscais, que limitam a
implementação de novas medidas de estímulo à
produção, ao mesmo tempo que impõem a
necessidade de aumentar as receitas dos governos;
(iii) a China, que vem apresentando desaceleração;
(iv) o elevado endividamento das famílias nos países
desenvolvidos e que deverá resultar em menor
consumo presente; (v) a fragilidade no mercado de
títulos privados, em especial naqueles relacionados a
hipotecas nos EUA e Europa. Por outro lado,
também há variáveis que contribuem para acreditar
em um cenário mais benigno. Mas, essas são poucas:
(i) o crescimento de economias emergentes, mesmo
que abaixo da média 2002-2008, ainda é
significativo; (ii) alguns países desenvolvidos estão
em um cenário de melhora, como por exemplo, a
Alemanha e o Japão, impulsionados pelas
exportações; (iii) inflação mundial baixa que
contribui para manter o poder de compra dos
trabalhadores.
Como os sinais presentes são difusos, é
difícil identificar um padrão ou uma tendência. O
melhor seria ter uma informação que pudesse
antecipar o movimento futuro da economia, evitando
essa constante oscilação mensal. Felizmente há uma
luz no fim do túnel: os indicadores antecedentes.
Esses são construídos com o objetivo de ajudar na
inferência sobre o comportamento futuro da atividade
econômica, antecipando os momentos de pico – auge
da produção – ou então de vale – fundo do poço para a
atividade econômica. Esses movimentos constantes
entre o pico e vale caracterizam os ciclos que são
comuns na economia. E, esses pontos, são
denominados de turning points. Apesar de conter
vários elementos estatísticos em sua construção, os
indicadores antecedentes são bastante intuitivos. Em
pesquisas realizadas pela OCDE, ficou evidenciado
que os turning points nos EUA podem ser antecipados
avaliando o comportamento da confiança do
consumidor, as horas trabalhadas na indústria e mais
cinco outras variáveis. Na Alemanha, por exemplo, é
importante avaliar o estoque de produtos finais da
indústria, o sentimento dos empresários e mais outras
quatro. Na China, recomenda-se avaliar o
comportamento da oferta de moeda (M2), a produção
de aço, fertilizantes e veículos e mais outros quatro
indicadores. No Brasil, são seis indicadores, entre os
quais estão o comportamento do mercado acionário, a
oferta de moeda e o comércio com a União Européia.
No geral, o movimento dessas variáveis
consegue antecipar os turning points com uma
defasagem de 6 a 9 meses, variando de acordo com as
características de cada região ou país. O último
relatório elaborado pela OCDE mostra o quanto o
cenário mundial está difuso. No grupo de países onde
há uma perspectiva de se manter o processo de
expansão, estão o Japão, Alemanha e Rússia. No
ponto intermediário, quase que caracterizando o pico
de produção e sinalizando o início de um processo de
acomodação da atividade produtiva, estão Canadá,
EUA, Reino Unido e Brasil. Por fim, dentre os que já
se encontram em processo de desaceleração, destaque
para França, Itália, China e Índia.
Diversas interpretações podem ser feitas a
partir desses resultados. Em primeiro lugar, nota-se
uma disparidade nos ciclos dos países, reflexo do
cenário difuso que presenciamos. Em segundo lugar,
ainda é cedo para se afirmar que haverá uma nova
recessão mundial. O mais correto seria acreditar em
uma “acomodação” da atividade produtiva. E, por fim,
não podemos confundir desaceleração com variação
negativa do produto. China e Índia estão nesse grupo
mas, ainda apresentam taxas de crescimento acima de
8% ao ano. Os indicadores antecedentes estão longe
de cumprirem o papel do vidente em economia. Mas,
sua informação é muito útil em momentos nebulosos.

Fonte: OECD, OECD composite leading indicators point to a possible
peak in expansion, OECD composite leading indicators, agosto/2010.

Publicado no Informe Econômico 23/agosto/2010

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