domingo, 10 de agosto de 2014

Não pesquise, fiscalize!

A resposta que vários debatedores no âmbito
político e econômico procuram é qual o formato e
tamanho do Estado na economia brasileira no futuro.
Uma avaliação dos últimos sete anos sobre o perfil
da contratação de servidores públicos, lança uma luz
sobre essa dúvida.
O ciclo de “exuberância” que o Brasil viveu
de 2003 até agora, contribuiu para criar um cenário
que pode ser considerado, no mínimo, estranho, para
um país que almeja ter status de desenvolvido e quer
ser respeitado como potência no ambiente
internacional. Nesse ponto, focando apenas na
rubrica “pessoal”, o aumento do gasto foi da ordem
de 5,6% ao ano, passando de R$ 108 bilhões para R$
158 bilhões, descontados os efeitos inflacionários.
Uma expansão muito acima da verificada no PIB,
que foi de 3,5% ao ano, ou da população, que foi de
1,1%. Atualmente, para cada 95 brasileiros, há 1
servidor público federal atuando, seja no executivo,
militar, legislativo, ministério público ou judiciário.

Os números não são pequenos. Para custear
essa máquina, cada brasileiro tem que enviar para a
União R$ 3,33 por dia. Em 2003 era R$ 2,46 ao dia.
Esteja trabalhando ou não, seja aposentado ou
criança. Conte ao teu filho que, em um mês de 22
dias úteis, ele está transferindo um jogo novo do
Play Station para o Governo pagar seu efetivo,
necessário para fiscalizar os impostos incidentes
nesse jogo que, mesmo assim, ainda consegue entrar
no País de forma clandestina. Isso sem contar os
servidores que estão lotados nos Estados e
municípios e todos os demais gastos públicos.
Os impactos desse aumento de gastos
ocorrem em cadeia. Maiores gastos demandam mais
arrecadação de tributos. Nesse ponto, o
planejamento público funciona muito bem. De 2003
até hoje, foram contratados 7.531 servidores nas
funções de auditoria e fiscalização, o que representa
87 por mês. Com tanta fiscalização, também é
necessário aumentar o efetivo de julgamento e
execução dos processos. Na Polícia Federal foram
mais 4.327 servidores e na área jurídica outros
3.354. E nunca na história desse País viu-se tanta
corrupção.
O ritmo de contratações em outras áreas
passa a impressão que vivemos em um País ímpar.
Nos últimos seis anos, foram 1.403 pessoas a mais
na função “reforma agrária”. Para se ter uma ideia
dessa distorção, e do tipo que economia que estamos
projetando para o futuro, hoje há quase o dobro de
pessoas trabalhando no órgão “desenvolvimento
agrário” (6.674) do que em relações exteriores
(3.604). Como esperar que o Brasil supere as
constantes dificuldades em exportar, como as
barreiras não-tarifárias e tarifárias impostas por outros
países, e ocupar um lugar de destaque no cenário
internacional? Não se quer afirmar aqui que mais
pessoas trabalhando com comércio exterior
resultariam em aumento de exportações. Mas,
certamente, poderíamos ter mais técnicos atuando em
inteligência de comércio exterior, seja em estudos
específicos sobre antidumping, acordos comerciais,
identificação de potencialidades de mercados e
redução dos entraves para o segmento exportador.
Além disso, o número de pessoas envolvidas
com o tema agrário é quase igual ao número de
pessoas na área de Ciência e Tecnologia (7.005).
Como esperar que o País avance em pesquisa se para
cada 350 servidores contratados apenas 1 foi para
atuar na função de Pesquisador em Ciência e
Tecnologia? É óbvio que esse tema não parece estar
na agenda do setor público e, mesmo com os esforços
que o setor privado possa engendrar nesse campo,
certamente irá esbarrar em entraves burocráticos. O
tão esperado milagre brasileiro dos próximos anos
passa, necessariamente, pelo avanço da indústria. É
nesse setor que ocorre grande parte do
desenvolvimento de novos produtos e registro de
patentes. Se realmente avançarmos nesse ponto, é
natural esperar um aumento da demanda por estudos
sobre a qualidade e certificação oficial de produtos.
Pegue a sua senha, pois, desde 2003, foram
contratados apenas 112 profissionais para atuar no
INMETRO. No INPI – Instituto Nacional de
Propriedade Industrial - apenas 226. Hoje, há apenas
1.836 profissionais atuando nessas duas instituições,
menos que os 2.042 que recebem salários como
anistiados políticos. A lista de distorções é extensa.
Um analista de reforma e desenvolvimento agrário
pode ganhar quase o mesmo salário que um agente
técnico de inteligência da ABIN. E um funcionário de
nível superior da FUNAI ganha mais que um técnico
de saúde pública. E se o índio ficar doente, ou contrair
dengue, como fazer? Ao menos teremos o cadastro da
enfermidade.
A maior preocupação em manter essa
máquina pública ativa se manifesta no diferencial de
salário entre fiscalização e pesquisa. Em início de
carreira, um auditor da receita federal ou um fiscal do
trabalho, que pode ter qualquer curso superior, ganha
cerca de 52% a mais que um doutor em pesquisa em
propriedade intelectual ou um doutor em pesquisa em
ciência e tecnologia. Certamente há um grande
diferencial de anos de estudo entre essas carreiras.
Esse é o Brasil que estamos projetando para os
próximos 60 anos. Não pesquise, fiscalize!

Publicado no Informe Econômico 02/agosto/2010

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