domingo, 10 de agosto de 2014

Não tem problema, eu te carrego.

Uma das questões centrais no cenário
prospectivo para 2011 no Brasil diz respeito à
performance da economia. Essa expectativa cresce
quando se anuncia que o ano de 2010 deverá se
encerrar com uma das maiores taxas de crescimento
dos últimos 30 anos. Pouco mais de 7% de
crescimento sobre uma baixa base de comparação que
foi o ano de 2009. Ao olharmos no retrovisor, e ver
um resultado tão “pomposo”, é natural esperar que
isso se prolongue por mais tempo. A sociedade
brasileira se acostumou, nos últimos meses, com a
divulgação de números recordes, seja no mercado de
trabalho, com a geração de empregos, seja nas vendas
do comércio e, porque não dizer, até nos resultados da
indústria.

Seria confortável aqui dar suporte a esse
cenário, mas os números não nos deixa mentir, e a
expectativa para 2011 é diferente. Nesse momento, a
estatística irá falar muito mais alto do que todos os
modelos macroeconômicos e, se o atual governo
pudesse dizer algo para o próximo, certamente ele
falaria: “não tem problema, eu te carrego”.
O termo é apropriado para descrever um dos
efeitos estatísticos mais conhecidos na análise de
conjuntura, o efeito carregamento. Primeiro, vamos
olhar para o retrovisor. A maioria dos dados da
economia brasileira está divulgada até o mês de
setembro. Sendo assim, considere o mesmo para fins
de comparação. Pense em um setor de atividade
econômica e, independente de qual seja, será fácil
dizer que, no acumulado do ano, esse cresceu sobre o
mesmo período do ano passado. Curioso para saber
como evoluíram as vendas de carros, motos e peças no
Brasil? Pois bem, os dados do comércio mostram que
essa cresceu 10% sobre 2009. As vendas de máquinas
e equipamentos de escritório e de informática
aumentaram 25% e de móveis e eletrodomésticos
outros 18%. Na indústria não é diferente, com alguns
segmentos, como é o caso de veículos automotores,
tendo expansão da produção em 29%. Até as
exportações, bombardeadas com o câmbio valorizado
e a menor dinâmica externa, estão crescendo 29% no
acumulado do ano. No mercado de trabalho não há
números baixos, tudo parece recorde. Do ponto de
vista agregado, a variável que resume o
comportamento da economia é o PIB. Mas, o IBGE
ainda não divulgou o resultado do 3º trimestre. De
qualquer forma, de acordo com os resultados
desagregados até o momento, é claro que o mesmo
terá crescido sobre o 2º trimestre, mesmo que a um
ritmo menor.
Agora, vejamos como pode atuar o efeito
carregamento. Nesse caso, vamos olhar para o futuro,
mais precisamente, para os três meses que contemplam
o quarto trimestre. Para tanto, vamos imaginar que a
economia brasileira cansou de correr e, de outubro até
dezembro, repita o mesmo resultado de setembro. Ou
seja, suponha que, em outubro, as vendas e a produção
de qualquer produto ou setor tenham variação de 0%
sobre o mês de setembro, o mesmo acontecendo entre
outubro e novembro e entre esse e dezembro. Assim,
nesse cenário, ao chegar em dezembro, as vendas de
carros terão sido iguais as vendas de setembro. O
mesmo para a produção de aço, móveis, calçados,
alimentos e etc. Seria como se o país parasse de querer
vender e produzir mais. Daqui para frente vamos repetir
o resultado de setembro.
Parece estranho, mas esse exercício é bem
conservador e intuitivo. Assim, se isso realmente
ocorrer, então, o PIB de 2010 terá crescido 7,2% sobre
2009. O comércio terá aumentado suas vendas em
10,8%, e a indústria terá expandido a sua produção em
10%. Esses números realmente embasam a fala: “nunca
antes na história do Plano Real”.
Entra em cena a estatística e a arte de olhar os
números de uma perspectiva que lhe seja vantajosa.
Como sabemos, o ano de 2009 foi atípico por vir na
esteira de uma das piores crises mundiais. Tanto é que,
no agregado, o PIB do Brasil caiu 0,2%. Ao olhar
separadamente aquele ano e 2010, criamos a falsa
sensação de que tudo passou enquanto que, na verdade,
na média desses dois anos, o PIB terá crescido apenas
3,6% ao ano. Sim, pagamos a crise ainda no último
trimestre de 2009, quando o nível de produção e
consumo no Brasil já era maior que 2008. Mas, desde
então, estamos presenciando um processo de
desaceleração em diversos segmentos e atividades
produtivas.
Mas, não é preciso se preocupar, pois o efeito
carregamento ainda se faz presente. Mesmo que o
próximo governo não consiga atuar no campo
macroeconômico de maneira eficiente, o Brasil ainda
vai crescer. Como? É simples. Reproduza o resultado de
vendas, produção e etc, do mês de setembro de 2010
para todos os meses de 2011 (considerando dados
ajustados pela sazonalidade). Ou seja, imagine que
durante todo o ano que vem tenhamos um
comportamento, do ponto de vista econômico, tal qual o
que presenciamos em setembro último. Ao fim,
compare 2011 com 2010 e teremos a grata surpresa de
ver que, mesmo assim, o Brasil terá crescido cerca de
1%. Mágica? Não, isso é lógica matemática.
Não se deixe enganar pelos números elevados
de agora. A base de comparação é muito baixa. E
quanto ao próximo presidente, esse não deve se
preocupar. Em 2011 também será carregado.

Publicado no Informe Econômico 29/novembro/2010

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