domingo, 10 de agosto de 2014

A boca do Jacaré

Os dados referentes à atividade econômica
no Brasil no ano de 2010 ainda não se encerraram,
mas é possível notar os impactos do modelo de
crescimento escolhido nos últimos anos sobre os
setores. Não é novidade que os bons resultados
alcançados em termos de PIB nesse período foram,
em grande medida, impulsionados pelo consumo,
em especial nos últimos quatro anos. As famílias
foram às compras e vendemos mais de tudo no
mercado interno, de calçados a automóveis,
passando por móveis e artigos de residência e
eletrodomésticos diversos.
Os primeiros quatro anos da era Lula,
compreendidos entre 2003 e 2006, havia uma
conjunção de fatores positivos nos países
desenvolvidos que contribuía para manter a taxa de
juros naquelas economias em níveis baixos,
juntamente com uma inflação controlada e aumento
do salário médio e do emprego, com impactos
diretos sobre o consumo das famílias. Isso se refletia
nas exportações dos países emergentes, dentre os
quais se destaca o Brasil. Àquele momento,
flertávamos com a perspectiva de atingir, ainda em
2008, o patamar de US$ 200 bilhões em
exportações.

Esse vento favorável contribuía para manter,
no Brasil, também uma expansão saudável do
consumo que era correspondida com o avanço da
produção industrial (veja gráfico ao final). A questão
é que, mesmo com a taxa de câmbio apresentando
uma tendência de valorização nesse período, seu
patamar médio ainda era bom o suficiente para
manter nossas exportações competitivas,
mascarando todas as deficiências de infraestrutura,
tributação e burocracia existentes no País que
dificultam a atividade exportadora. O ponto de
inflexão nesse cenário foi o ano de 2007. Desde
então, o consumo interno passou a avançar a uma
taxa muito superior à produção industrial, sendo
interrompido somente em agosto de 2008, com os
efeitos da crise internacional. Entretanto, naquele
momento, as vendas do comércio varejista no Brasil
recuaram 9,5%, e apenas por dois meses, ao passo
que a produção industrial caiu 21%, por cinco
meses.
Como consumir dá mais voto do que
produzir, os objetivos de política macroeconômica
implementados no processo de enfrentamento da
crise tiveram direcionamento claro: impulsionar o
consumo das famílias como forma de manter a
atividade econômica ainda aquecida. Tanto é que a
redução de tributos implementada tinha muito mais a
intenção de resultar em produtos mais baratos para
consumidores, procurando manter as famílias no
consumo, do que dar competitividade para a indústria
local. Uma forte fundamentação para este argumento é
que os incentivos foram retirados, sinalizando que não
há uma política de incentivos que seja permanente. Se
o objetivo tivesse sido dar competitividade para a
indústria, esses deveriam ser mantidos, pois, desde
então, nada mudou nas questões que entravam a
produção interna.
O resultado pode ser visto nos números de
desempenho dos dois setores. Desde o pior momento
da crise, as vendas do comércio no Brasil cresceram
32% e colocaram as mesmas em um patamar recorde,
que é quase o dobro do nível de vendas verificado em
2003. Por outro lado, a produção industrial avançou
apenas 24%. O número pode parecer também
significativo, mas note que foi uma expansão que
ocorreu sobre uma forte queda no período mais crítico
da crise. Ou seja, cresceu a produção industrial sobre
uma base muito deprimida, tanto é que, até o
momento, a produção industrial ainda não conseguiu
atingir o nível pré-crise (setembro de 2008). Em oito
anos, seu avanço de 31% contrasta com os 91% de
expansão do comércio. Em linhas gerais, o Brasil
aumentou seu nível de consumo, mas a produção da
indústria está próxima da estagnação.
Diversos fatores contribuem para explicar o
que podemos denominar de “boca do jacaré”, que
draga a perspectiva de criar uma economia sólida. O
principal é a taxa de câmbio valorizada, que contribui
para preencher o vazio entre o consumo e a produção
interna, com as maiores importações de tudo o que se
pode imaginar. Não dá para sustentar a tese da
desindustrialização para o período, pois a indústria
cresceu, mesmo que pouco. Entretanto, também não
dá para afirmar que estamos fomentando a
industrialização da economia brasileira. Claramente,
aumentar o fluxo de comércio com outros países é
saudável e desejável. O problema está na magnitude
do incentivo que foi dado nos últimos anos,
priorizando o consumo muito mais que a produção.
Isso pode trazer conseqüências negativas para o país
no futuro.

Publicado no Informe Econômico 10/janeiro/2010

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