domingo, 10 de agosto de 2014

Não olhe para o retrovisor

Os números recentes da atividade industrial,
divulgados pelo IBGE na semana passada, permitem
antecipar que tanto o setor quanto a economia
brasileira estão em ritmo forte de desaceleração nesse
segundo trimestre, um cenário que também deve
perdurar para todo o ano de 2011. O resultado da
produção de abril, que teve uma queda de 1,2%
relativamente a março, se soma à retração de 6,2% de
março sobre fevereiro, contribuindo para que a taxa de
crescimento de doze meses diminuísse para 5,2%, o
menor resultado em um ano.

Para quem não acompanha avaliação de
conjuntura econômica, apenas a divulgação do
resultado de 5,2% pode dar a falsa impressão de que a
indústria continua a crescer de maneira acentuada.
Afinal de contas, esse resultado ainda é bom. Porém,
basta “torturar” um pouco mais os números para
perceber que o cenário, na verdade, é preocupante. Há
apenas seis meses, marcando o resultado de outubro
do ano passado, a indústria mostrava robustos 12% de
expansão. Ou seja, a taxa de crescimento de hoje é
menos da metade do que foi seis meses atrás. É claro
que o desempenho de 12% estava sinalizando uma
atividade econômica muito aquecida, e que
representava uma feliz coincidência entre o ciclo de
produção e o eleitoral.
Porém, a conta pelo desleixo com a torneira
monetária dos últimos anos, a ser paga pelo
contribuinte, está vindo agora, seja via aumento de
juros ou então de tributos e maiores custos do crédito,
ambos travestidos de um nome mais bonito: “políticas
macroprudenciais”. O efeito esperado é a
desaceleração da produção e também no ritmo de
geração de empregos no setor.
Outro ponto importante a considerar nesse
cenário é como que os números estão sendo utilizados
no calendário das negociações salariais que envolvem
a indústria de maio a setembro de 2011. Como o ano
de 2010 se encerrou com variação de 10,5% na
produção industrial, esse tem sido o valor utilizado
por muitos sindicatos como base na definição da
conjuntura econômica de 2011, o que é um erro.
O desempenho da indústria nacional em
dezembro do ano passado não representa nem de perto
esse início de ano. E, como salientado anteriormente,
aquele resultado do final do ano já caiu para 5,2%,
quando inserido o mês de abril e, mais ainda, deve
ainda continuar sua trajetória de desaceleração até o
final de 2011. Sendo assim, o mais recomendado
como ponto de partida para análises que envolvem a
interpretação da atividade industrial é tanto o
desempenho do setor em doze meses terminados em
abril, bem como as expectativas que se desenham para
os próximos meses.
A primeira parte é mais fácil de compreender,
uma vez que os resultados já são conhecidos. E não são
poucos os segmentos industriais cuja desaceleração é
intensa. No setor têxtil, por exemplo, a taxa de
crescimento de 4,4% de 2010 foi revertida para -3,3%
em abril. Para o mesmo período, apenas citando mais
algumas atividades, o setor de bebidas partiu de 11,2%
para 4,9%; Calçados de 6,7% para -1,5%; Metalurgia
Básica de 17,6% para 8% e Mobiliário de 10,8% para
2,6%. Até o segmento de veículos automotores, a
vedete do crédito no pós crise, reduziu sua performance
de 24% para 15%.
Porém, traçar um cenário até o final do ano é
um pouco mais difícil, mas podemos recorrer a
diferentes técnicas para se ter uma idéia de como a
indústria pode terminar o ano de 2011. Como primeiro
exercício, imagine que, para cada mês entre maio de
dezembro, a produção da indústria no Brasil se
mantenha tal como a verificada no ano de 2010. Ou
seja, não estamos assumindo nem a hipótese de queda,
nem de aumento, apenas de estabilidade. Se assim for,
ao terminar o ano de 2011, a indústria terá crescido
apenas 0,6% sobre 2010. Uma alternativa é imaginar
que o nível de produção de abril seja reproduzido para
todo o resto do ano. Essa técnica é conhecida como
“efeito carregamento”. Nesse caso, a indústria termina o
ano com expansão de apenas 0,86% sobre 2010.
Em um terceiro cenário, um pouco mais
otimista, pode-se considerar que, para cada mês entre
maio e dezembro, se verifique uma expansão de 2%
sobre o mesmo mês do ano passado. Ou seja, assuma
que, em maio, a produção da indústria cresça 2% sobre
maio de 2010, e assim sucessivamente. Um resultado
difícil de se atingir diante de perspectiva de
continuidade no aumento de juros, contenção do crédito
e câmbio valorizado. Mesmo que seja possível essa
performance, o resultado final não é animador, com
2011 tendo crescimento de apenas 1,9% sobre 2010. E,
mesmo que algum “milagre” econômico aconteça nos
próximos meses e que faça com que a indústria cresça
3,1% entre maio e dezembro, o resultado para 2011
deverá se situar em 2,7% sobre 2010.
Todo esse exercício de “tortura” dos números
para a indústria brasileira serve para ilustrar e embasar as
discussões recentes sobre o processo de desaceleração da
atividade econômica. Um movimento recente e que
muitos ainda teimam em duvidar, ainda mais diante dos
números positivos do PIB do 1º trimestre. Portanto,
atenção redobrada no cenário prospectivo, que é de
desaceleração.

Publicado no Informe Econômico 06/junho/2011

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