segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Matei as aulas do primeiro ano de economia

Por vezes se escuta alguém dizer que o Brasil deveria seguir o exemplo da Argentina no que diz respeito à política econômica. Pois bem, por pelo menos duas vezes em menos de 10 anos, nossos vizinhos nos provam o contrário. A Argentina adotou antes do Brasil um controle cambial para dar fim às altas taxas de inflação. Funcionou lá e aqui. Mas, os políticos não conseguiram se ver livres da tentação de gastar os recursos que não tinham, e o descaso em controlar os gastos. Felizmente o Brasil aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, decretou o fim do regime de câmbio fixo ao final de 2001 e silenciou os poucos que ainda defendiam o modelo Argentino. Aos que ainda nutrem alguma dúvida, de 1994 a 2008 o PIB do Brasil e da Argentina cresceram na mesma magnitude, com uma diferença, por lá a emoção foi maior, com uma queda do PIB de quase 11% em 2002.

Sete anos depois, a história se repete. A atual crise política no País, que deve resultar em problemas econômicos de difícil solução, ou pelo menos, de elevado custo para a sociedade, não está sendo muito bem entendida por parte dos analistas que ainda teimam em defender a combinação de políticas econômicas que são, no mínimo, estranhas. Destaca-se que a origem dessa crise vai muito além da elevação da retenção das exportações de produtos (prática antiga naquele País). Sua origem remonta ao calote da dívida, à perda de credibilidade do setor público e ao conjunto das políticas heterodoxas “a la Brasil dos anos 1980”, como o congelamento de preços. Ao controlar preços, o governo inibe os investimentos e a expansão da oferta em pontos chave para o bom funcionamento dos mercados, como a oferta de energia e o equilíbrio dos custos dos fatores de produção, como capital e trabalho. Além disso, ao tentar aplicar o planejamento da produção e comercialização, contribui para inibir o “espírito animal” do empreendedor que quer investir e correr riscos, mas também quer um retorno para isso.
A restrição de exportações vai contra o imaginário dos livros de economia e a experiência internacional, e  atinge em cheio uma veia importante da produção de riqueza local, os produtores primários. Responsáveis por 9,5% do PIB do País, e gerando receitas da ordem de US$ 14 bilhões/ano com exportações, nada mais correto aos produtores argentinos reclamarem a liberdade de comercialização do fruto de seu trabalho. Escolheram produzir e correr o risco sistêmico da atividade, e agora querem colher os resultados comercializando onde os preços são maximizadores do lucro. Poucos estão se dando conta de que a maior receita do produtor primário será a garantia de novos investimentos no aumento da produção e com impactos sobre o mercado de trabalho, na arrecadação de impostos e, na própria determinação dos preços no futuro.
Seria fácil controlar as exportações como uma torneirinha a ponto de determinar o exato equilíbrio entre oferta e demanda interna que não prejudique a evolução dos preços e mantenha o nível de retorno para o produtor? Ainda mais, tudo isso em um ambiente de câmbio desvalorizado e saldo positivo em transações correntes. Porque ninguém pensou nisso antes? As primeiras aulas de graduação dos cursos de economia nos ensinam o contrário. Sendo proibido de exportar seu produto, a solução para o produtor é o mercado clandestino ou a venda legal no mercado interno. Vale lembrar que a restrição à comercialização de produtos no mercado externo só deve acontecer em duas ocasiões: (a) quando a economia não mantém relações com o exterior; (b) quando a demanda está maior que a oferta e, portanto, o equilíbrio somente se dará via aumento de preços. É natural supor que esse movimento irá representar um aumento da oferta no mercado interno, derrubando preços. Entretanto, os agentes são racionais, como podemos verificar inclusive na Argentina, onde há a formação de ágio para compensar a venda do produto, gerando pressões inflacionárias ou, simplesmente, a falta de mercadorias nas prateleiras (alguma semelhança com o Plano Cruzado?)
A retenção de exportação é um inimigo da rentabilidade do produtor e vai contra a eficiência alocativa. Também se escuta falar que a retenção é boa para o produtor, pois o mesmo fica livre das variações dos preços internacionais. Mas, esse mesmo produtor já está no mercado há anos, conhece os riscos e os instrumentos financeiros que estão disponíveis para se proteger de oscilações na taxa de câmbio, como o mercado de derivativos. Deixe que ele corra os riscos de perda e lucro. Os eventos dos últimos anos na Argentina são úteis para ilustrar os resultados de políticas econômicas equivocadas em livros de macroeconomia, microeconomia e economia internacional de cursos de graduação. Parece que as salas de aula do primeiro ano de economia andam um pouco vazias por lá.

Publicado no Informe Econômico de 30/06/2008

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