segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Fundos soberanos: a outra face da moeda

Os chamados “Fundos Soberanos” (FS) têm mais de meio século e espera-se que cresçam expressivamente nos próximos anos. Atualmente existem cerca de 50 fundos, com valor estimado de US$ 3,7 trilhões, devendo alcançar a cifra de US$ 10 trilhões em 2015.
O tema transformou-se num fenômeno graças ao longo ciclo de desenvolvimento da economia mundial, que elevou para níveis inéditos o volume de reservas financeiras globais. Os bancos centrais das nações ao redor do mundo controlam cerca de 5,6 trilhões de dólares, mais do que o dobro do número registrado há cinco anos. Com um volume tão grande de dinheiro disponível, os fundos soberanos se multiplicaram, ficaram mais agressivos e diversificaram sua carteira de investimentos. Se antigamente eles se limitavam a adquirir títulos de dívida dos países desenvolvidos, sobretudo dos Estados Unidos, hoje canalizam recursos para opções mais rentáveis, como a compra de imóveis, ouro e ações de grandes companhias.

Apesar de atrativo, as experiências internacionais indicam algumas as condições necessárias para a criação do Fundo: (a) fluxo elevado em moeda estrangeira para o país, que leva a um Balanço de Pagamentos superavitário, (b) equilíbrio fiscal. O resultado disso pode ser uma grande quantidade de reservas, restando ao Banco Central (BC) administrar esse recurso.
No que difere a ação dos FS em relação aos BC? Os primeiros investem numa variedade maior de ativos e têm maior tolerância ao risco e prazos mais longos, que permitem o gerenciamento mais agressivo dos ativos em busca de maior retorno, enquanto os BC’s são mais conservadores com a gestão das reservas oficiais, focando em segurança e maior liquidez.
Diante desse cenário, existem diversas justificativas para a criação de um fundo soberano. Os países que buscam essa ferramenta podem ser classificados em dois grupos: (a) aqueles onde o desempenho do Balanço de Pagamentos depende sobremaneira da exportação de alguma commodity, (b) e os países que o resultado do BP não é dirigido pelo resultado de uma, ou poucas mercadorias. A maioria dos fundos baseados em receitas de commodities são formados pelos países produtores de petróleo do Oriente Médio. Nesse grupo destaca-se o Kawait Investment authority criado em 1953 com uma carteira de US$ 213 bilhões. Anualmente, 10% das receitas com o petróleo do Kuwait são destinadas ao KIA com um portfólio de investimentos em fundos de hedge e private equity, imóveis e ações de empresas. O principal objetivo desse tipo de fundo é a distribuição da renda e do consumo através do tempo para a manutenção de um certo nível de bem-estar para as gerações futuras.
Outra justificativa para a criação de um fundo pode ser simplesmente o excesso de reservas, independente de qual seja a sua origem. Qualquer carteira de ativos deve ser administrada com base em critérios econômicos, incluindo a idéia de que se deve obter o maior retorno possível para os acionistas, que nesse caso são os contribuintes, e de que os investimentos da carteira devem ser diversificados para reduzir os riscos de perdas. Com base nesse pensamento, o investimento de grandes volumes de reservas em títulos do governo, quando existem alternativas mais lucrativas e tão seguras quanto, vai contra o bom senso econômico.
O Brasil pode ser enquadrado em qualquer um desses tipos de países, dependendo do momento histórico. Somos exportadores de commodities agrícolas e minerais, entretanto as exportações da indústria representaram 90% do total exportado em 2007. Por outro lado, muitos segmentos da indústria têm seu desempenho correlacionado com o resultado do setor primário. De qualquer forma, o cenário de elevação dos preços dos produtos primários e da demanda por alimentos faz pesar ainda mais as exportações de commodities para um saldo comercial.
A proposta de criação do “Fundo Soberano do Brasil” (FSB), como deve ser denominado, pode ser entendida como uma ação positiva, no que se refere à criação de um dispositivo para a adoção de uma política fiscal anti-cíclica. Em outras palavras, o governo vai tentar poupar um pouco do que arrecada, cerca de 0,5% do PIB em 2008, num momento econômico favorável para enfrentar os momentos desfavoráveis de maneira mais sólida. Em suma, a finalidade é a de manter o crescimento mais estável e diminuir as oscilações de receitas fiscais no longo prazo.
O FSB também exercerá uma pressão anti-inflacionária pois reduzirá o gasto público num período de aquecimento para aumentar num período de desaquecimento. Essa medida apresenta-se como uma alternativa mais eficiente que a elevação da taxa de juros para conter a inflação, visto que reduz a atividade sem aumentar a despesa do governo com juros.  Além disso, diminuirá a pressão de valorização do Real e exercerá a função estratégica de ampliar as ações de empresas brasileiras no exterior, por intermédio do BNDES.
O lado ruim disso tudo, é que no Brasil não são poucos os casos de instituições criadas com dinheiro público para gerar benefícios privados. Qualquer medida governamental que tenha uma “função estratégica” deve receber algum olhar de desconfiança, pois pode estar abrindo uma brecha para a ineficiência econômica e o desperdício de recursos.


Publicado no Informe Econômico de 07/07/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário