segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ganhamos, mas, como vamos manter?

As opiniões sobre a elevação do Brasil à categoria de menor risco, podem ser divididas em dois grupos. De um lado, aqueles que contestam a demora nessa classificação, de outro, aqueles mais céticos, que até acreditavam na melhora de avaliação do Brasil, mas que não titubeiam em apontar as deficiências de nossa economia. Partindo do ponto de vista do primeiro grupo, de fato, quase nada se modificou nos últimos cinco anos, a não ser o fato de que, “quem diria”, foi dada continuidade ao bem sucedido tripé de sustentação da política econômica: superávit primário, câmbio flexível e metas de inflação. Para não dizer que tudo é igual a antes, o mais importante fator de mudança foi o ciclo de ausência de crise no cenário internacional. Nos últimos anos tivemos crescimento econômico nos quatro cantos do mundo, e milhões de pessoas entraram no mercado de consumo, contribuindo para a melhora nas relações de troca do setor externo brasileiro. Analisando dessa forma, realmente, o selo “grau de investimento” poderia ter vindo ainda no final de 2006.

Porém, a partir da perspectiva do segundo grupo, precisamos ter claro que é necessário esforço (fiscal, administrativo e político) para preservar as conquistas do grau de investimento. Ainda temos deficiências na infra-estrutura logística, e uma tremenda dificuldade em nos livrarmos das amarras de uma herança presente na filosofia das relações capital-trabalho. Essas, tornam nosso mercado de trabalho extremamente rígido frente aos nossos pares no cenário internacional e, assim, reduzem a nossa competitividade. Isso sem falar da pesada mão do setor público, o maior sócio de cada brasileiro, que anualmente se apropria de mais de 40% da nossa renda.
Bem, deficiências à parte, aqui chegamos. Afinal de contas, a avaliação se dá diante de variáveis macroeconômicas, e os nossos problemas estão no ambiente micro. Porém, existe um elemento importante citado pela agência de classificação e que teve pouca repercussão nas análises posteriores, que é a independência operacional do Banco Central. A última reunião do Copom que sacramentou a elevação da meta Selic em um ambiente de riscos inflacionários, contrariou a ala mais desenvolvimentista da equipe econômica do atual governo, bem como chegou a suscitar discursos de que comprometeria o crescimento econômico.
Entretanto, investidores e analistas econômicos internacionais, pensaram de maneira deferente. O raciocínio é muito simples. Se um dos pilares de sustentação da estabilidade de preços no Brasil é o sistema de metas de inflação, a regra é clara: se há riscos inflacionários, seja em expectativa ou não, o mesmo deve ser combatido com as armas apropriadas, e comumente utilizadas por qualquer Banco Central, em qualquer lugar do mundo, isto é, com a taxa de juros. Existem custos na sua elevação? Sim, e não são poucos. Isso irá impedir o crescimento da economia brasileira no longo prazo? Não, pois a perspectiva é de um aumento de cerca de 1,5 ponto percentual. Isso irá resolver o problema da demanda interna? Não, pois cerca de 70% da inflação do ano já está dada pelo reajuste de preços administrados e pelos produtos do grupo alimentação. Então, porque aumentar? Para garantir a credibilidade do sistema e atuar sobre as expectativas. Pensando dessa forma, os benefícios, no médio e longo prazo, são maiores que os custos de ajuste no curto prazo.
Mas, estaria o Brasil sozinho nesse barco? Não. Em uma amostra de 94 Bancos Centrais, 90 possuem como objetivo legal a estabilidade monetária ou adotam um sistema de metas de inflação. São aqueles que constituem o grupo denominado de “Bancos Centrais modernos”. O que diferencia esses participantes é o grau de transparência nas ações, na divulgação de relatórios, na credibilidade e no grau de independência. Está provado que, quanto mais transparente for o sistema, mais vantagens e menores os custos de ajuste na política monetária. Os agentes não são pegos de surpresa, possuem acesso a informações de mercado e ao modo como o Banco Central avalia a economia do País. Dessa forma, podem se antecipar e se adequar melhor a mudanças no cenário. Da mesma maneira, podem cobrar da instituição essa performance. Assim, quanto mais crível for um Banco Central, mais certo estarão os agentes de que o objetivo de estabilidade de preços será alcançado, contribuindo para reduzir os custos de ajuste.
Por fim, restou a independência. Um tema espinhoso para ambas as partes, governo e Banco Central. Atualmente, no Brasil, essa independência é de instrumentos porém, como se diz popularmente “a relação se dá no fio do bigode”. Por enquanto está funcionando, mas não nos deixemos enganar pelo ciclo de crescimento dos últimos cinco anos. Como seria essa independência em um ambiente de maior exposição à crise, como nos infortúnios primeiros oito anos do Plano Real? Elevar em 0,5 ponto percentual os juros em uma economia crescendo 5% é politicamente mais fácil do que em um cenário adverso.
            O grupo dos que avaliam a classificação de risco com certa restrição está certo. Não estaremos sempre em um mar de rosas como nos últimos cinco anos. Precisamos nos antecipar a tempos difíceis, e o tema da independência do Banco Central deve voltar às discussões.

Publicado no Informe Econômico de 12/05/2008

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