domingo, 10 de agosto de 2014

Essa segunda crise é diferente.

Em primeiro lugar, não há um risco sistêmico no setor financeiro da mesma dimensão do presenciado na “crise do subprime”, a despeito da presença de vários títulos em carteira que podem não valer tanto quanto se contabilizava. A comparação entre os testes de stress feitos nos EUA e na Europa irá permitir apenas inferir que os bancos americanos estão mais bem posicionados que seus pares europeus, porém, líquidos o suficiente para enfrentar novas turbulências.
O segundo fator de diferença é a origem das “dúvidas”. Anteriormente, estas pairavam sobre o crédito e seu colateral. Agora, questiona-se a capacidade dos diversos governos em honrar seus compromissos de curto e médio prazo. Ou seja, é um problema fiscal, típico de governos acostumados a gastar mais que arrecadam. Isso não é novidade, e esse desequilíbrio foi, durante muitos anos, facilmente administrado com crescimento econômico. Ao romper esse lastro, expõem-se as fragilidades e a necessidade de ajuste estrutural dos gastos públicos. Uma medida que tem custos políticos que já fazem suas vítimas nos dois continentes. Daí a dificuldade em solucionar de vez essa crise, criando um impasse que apenas serve de mais combustível para aumentar a incerteza nos mercados de ativos.
A aprovação de ampliação do limite de dívida do Governo nos EUA é o exemplo mais recente. Criado em 1917, o limite estatutário foi revisto mais de 100 vezes, principalmente em recessões, onde aumenta a necessidade de se usar a política fiscal, junto com a monetária, para impulsionar a economia. A última aprovação, feita no final do mês de julho, é a que carrega o maior valor financeiro e, ao mesmo tempo, uma exigência de contrapartida sem precedentes para sua liberação. É nesse ponto que reside parte da volatilidade dos mercados. Ao apontar a necessidade de cortes orçamentários para um prazo de 10 anos, e o custo político da negociação para aumentos posteriores nesse limite, a economia americana perde o apoio fiscal para enfrentar a crise no curto prazo. Em um cenário com juros próximos a zero, a consequência imediata, e que os mercados colocaram no preço dos ativos, foia previsão de menor crescimento até o final de 2012. Nota-se que esse quadro é muito diferente dos problemas financeiros de 2008.  Sendo assim, o nome mais correto para essa segunda onda seria “crise fiscal”.

O Brasil se insere nesse contexto de maneira singular não só em relação a outros países, mas, também, em relação ao passado. É claro que vamos sentir seus efeitos, ainda mais se o preço de importantes commodities continuar a cair e a nossa demanda por exportações retrair-se. A principal argumentação para o enfrentamento dessa crise é que temos reservas de dólar em caixa, sendo uma parte substancial desse recurso em títulos de dívida dos EUA (cerca de US$ 205 bilhões) e também um sistema financeiro capaz de dar sustentação a um possível cenário de liquidez. O diagnóstico está correto, mas, o que preocupa é o remédio que está sendo prescrito: mais crédito. Uma vez que se entenda que a natureza dessa segunda crise é outra, o governo deve ter a clareza de oferecer um tratamento diferente: controle do gasto público, como forma de abrir espaço para redução dos juros. Certamente os benefícios irão aparecer ao fim desse ciclo de ajuste no cenário internacional.

Publicado no Jornal do Corecon 16/agosto/2011

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