domingo, 10 de agosto de 2014

Depende do ponto de vista

Durante muitos anos, a classificação de risco
feita por agências independentes ajudou investidores
a melhor selecionar ativos de empresas e títulos
soberanos. Porém, a eclosão da crise financeira
internacional em 2008 suscitou o debate sobre essa
independência e a veracidade da avaliação dos
títulos privados e públicos. Isso porque boa parte dos
títulos que foram utilizados em garantia de
empréstimos e que faziam parte de diversos fundos
de investimento espalhados pelo mundo, eram
considerados como de baixo rating enquanto que, na
verdade, ofereciam elevados riscos de default. O que
realmente acabou por se concretizar. A despeito das
críticas, o ponto central é que os investidores
precisam de parâmetros de comparação para
selecionar os diferentes ativos e, dessa forma, irão
continuar a usar essas avaliações. O caso mais
recente foi a revisão da nota de classificação de risco
soberano do Governo Brasileiro feita por uma dessas
agências, a Moodys, que revisou a mesma para
Baa2, se igualando a revisão feita anteriormente pela
Fitch. Com isso, ambas estão em um “degrau” acima
da nota atribuída para o Brasil pela S&P. Como é
difícil achar quem emita opinião diferente, é natural
esperar num futuro próximo, que essa agência
também modifique a classificação do Brasil, que
atualmente está em BBB-, para BBB, completando o
ciclo de revisões e ficando todas as agências com a
mesma nota de risco para o país.

Há diversos aspectos a serem considerados
nessas notas de risco. Em primeiro lugar, o ponto
positivo é que, com menor grau de risco, o país pode
emitir nova dívida e, com isso, pagar menores taxas
de juros e alongar prazos. Com isso, tem-se um
menor custo de rolagem de dívida, com efeitos
positivos sobre toda a economia. Além disso, uma
vez que se tem uma boa nota de risco soberano,
abre-se uma janela importante para que outras
empresas de ponta no país também consigam galgar
postos mais elevados em suas classificações, uma
vez que os títulos soberanos de qualquer país são
considerados como aqueles com menor risco e,
sendo assim, pagam as menores taxas de juros.
Dessa forma, as empresas também podem emitir
dívida em outras moedas, ou mesmo em moeda local
e, com isso, conseguir juros mais baixos e prazos
maiores. Além disso, uma melhor classificação de
risco em títulos públicos permite que bancos
utilizem os mesmos em garantia junto a outras
instituições financeiras, fundos de previdência e
Bancos Centrais, aumentando as possibilidades de
investimento. Ou seja, menor risco pode ser
entendido como um incentivo a investidores deterem
títulos de dívida do Brasil, ou de empresas
brasileiras, resultando em mais entrada de capitais.
Porém, será que o Brasil está merecendo essa
nova classificação, ou se trata apenas de um ajuste a
uma nova realidade mundial onde, na verdade, são os
outros países que pioraram, colocando em cheque a
metodologia utilizada pelas agências de classificação
de risco? Vale destacar que cada agência utiliza
metodologia própria que, muitas vezes, é carregada de
um certo grau de subjetividade. Por exemplo, dentro
das justificativas utilizadas pela Moody’s para rever a
nota do Brasil está o fato de o governo ter adotado
uma política fiscal mais conservadora, em linha com
uma trajetória de crescimento sustentado. Mas, será
que esse critério também pesa na hora de avaliar as
dificuldades do Governo Espanhol em aprovar os
pacotes de reforma do mercado de trabalho?
Mas também, há critérios mais quantitativos.
Por exemplo, os investimentos que estão sendo
realizados no país, a transparência do mercado de
capitais, o nível de reservas, a estabilidade política, e
outros. E, dentre as utilizadas como justificativa para a
revisão da nota brasileira destacam-se: baixa relação
crédito/PIB, base de produção e exportação
relativamente diversificada, elevado número de
reservas e baixa exposição de dívida em câmbio. Ou
seja, a nota de risco contempla questões mensuráveis
bem como aquelas no qual se acredita tenham um
resultado esperado e, com isso, carregam certa dose de
incerteza. Ao olharmos a classificação de uma dessas
agências para dívida soberana de longo prazo em
moeda estrangeira para vários países, observa-se que
os critérios subjetivos estão pesando mais que os
quantitativos. Nesse caso, o Brasil tem uma nota
BBB-, considerada “grau de investimento”. Sua
última revisão foi no dia 23 de maio de 2011, e com
perspectiva positiva. Porém, estamos no mesmo grau
de risco que Portugal, Peru, Panamá, índia e Islândia.
Sim, isso, mesmo, no mesmo patamar que a Islândia
que, se pudéssemos criar uma escala de impacto da
crise financeira de 2008-09, esse País, com certeza,
teria sido um dos mais afetados e, certamente, por
qualquer critério subjetivo, teria uma nota muito
menor que o Brasil. Além disso, o Brasil ainda
continua oferecendo mais risco que a Rússia, Irlanda e
Lituânia. E porque não citar outros que se encontram
melhor qualificados que o Brasil, como por exemplo,
o Kuwait, com AA-, a Espanha, com AA e a Polônia,
com A-.
A crise internacional teve repercussões tão
profundas na situação estrutural de diversos países
que acabou por criar um cenário que pode ser
considerado, no mínimo, estranho. Como pode o
Brasil ter uma nota de risco tão pior que outros países
que sempre foram considerados exemplo para todos,
mas estão em má situação econômica? Na dúvida,
melhore a classificação do Brasil.

Publicado no Informe Econômico 27/junho/2011

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