A “bola da vez” dos últimos meses é a
preocupação com a inflação, seja no cenário externo ou no Brasil. Em qualquer
canto, alguém irá dizer que sabe a causa do forte aumento dos preços de
energia, metais e alimentos: uma seca ali, o uso do milho para produzir
combustíveis alternativos em países desenvolvidos, os famosos especuladores, o
rápido aumento da demanda nas economias emergentes, etc. Muito também se
discute sobre os instrumentos que podem ser usados para evitar a perda no
controle de preços, como acontece na Argentina e na Venezuela. E sempre se
encontra a unanimidade do aumento dos juros, confirmado na semana passada na
reunião do Copom.
Algumas vozes falam da contribuição da
política fiscal nesse processo, via controle do gasto público, um casamento
antigo com a política monetária, bem fundamentado nos livros de economia, e que
sempre dá certo. Recentemente o governo brasileiro anunciou que vai economizar
um pouco mais em 2008, do que o prometido anteriormente, uma tentativa de
ajudar o Banco Central no controle de preços. Aplaude-se tal atitude, porém, em
magnitude, não será suficiente, pois a proposta de poupança adicional ocorre
sobre o aumento de arrecadação, e não sobre o orçamento. Em outras palavras, o
que o governo está dizendo é que vai jogar menos lenha na fogueira, e não irá
tentar apagar o incêndio.
Pouco se fala de outra estratégia, como
o aumento dos compulsórios sobre os depósitos à vista ou a prazo. É verdade que
ele já é alto no Brasil mas, se o objetivo é conter a expansão da demanda, o
aumento do compulsório poderia contribuir para reduzir a velocidade do avanço
do crédito no País. O resultado para a economia é rápido e eficiente, o custo
para a sociedade como um todo é menor que o aumento da taxa de juros, muito
menor que a elevação de alíquotas de tributos que incidem sobre o crédito e,
por fim, é mais fácil de administrar. Claro, não tem lanche de graça. Um
compulsório mais elevado representa custo do dinheiro maior para os bancos que
irão, naturalmente, repassá-los para os tomadores via aumento do spread
bancário. Mas, esse é o objetivo, conter a expansão da demanda via liquidez.
Porém, essa ferramenta parece ainda não estar nos planos da autoridade monetária.
De qualquer maneira, o resultado que
todos já sabem é: em 2008 a inflação será maior que 2007, teremos aperto
monetário, menor dinâmica nos investimentos e criação de empregos, com reflexos
diretos sobre a atividade econômica. Mas longe de se ter uma recessão, iremos
apenas crescer menos. Isso tudo era necessário? Do ponto de vista da teoria dos
ciclos econômicos, nada de diferente do que acontece em outros países, sejam
desenvolvidos ou emergentes. Períodos de crescimento seguidos de um ciclo de menor
atividade, ajuste entre oferta e demanda e novo ciclo de crescimento. Porém,
poderia ser evitado se houvesse no governo federal uma sintonia mais fina entre
política fiscal e monetária.
A atitude do Banco Central, ao aumentar
juros, pode ser interpretada como um recado aos que acreditam no “toque de
Midas” do gasto público: tudo bem, o governo quer continuar a gastar, então,
para evitar mais aumento de preços, vou ter que fazer o setor privado reduzir
seu gasto via juros maiores. A conta é simples e a regra é clara: o PIB é
explicado pelo gasto público mais o gasto privado. O cobertor é único e curto.
Dada a capacidade de crescimento da economia, se queremos crescer com
estabilidade de preços, quanto maior for a expansão dos gastos do governo,
menor deve ser o crescimento dos demais componentes, sob pena de se ter um
desequilíbrio entre oferta e demanda com pressões inflacionárias. Assim, está
claro que, se a opção do governo é continuar com gastos públicos elevados,
devemos reduzir o avanço do setor privado, pois a economia não suporta ambos
crescendo a taxas elevadas. Somente após a maturação de investimentos que essa
combinação pode vir a se materializar em um patamar mais elevado.
A conta vem cedo ou tarde. A redução do
gasto privado terá, como conseqüência, um crescimento menor na arrecadação de
tributos em 2009. Como os gastos orçamentários são rígidos e vários
compromissos já estão assumidos para o próximo ano, como revela a LDO (Lei de
Diretrizes Orçamentárias), onde se prevê gastar cerca de R$ 10 bilhões a mais
somente com salários do funcionalismo público, será natural um nível de
superávit primário menor. As conseqüências vão desde menor economia de recursos
para fazer frente ao pagamento de juros e impactos sobre o estoque de dívida
interna, até o comprometimento dos gastos sociais para os próximos anos,
passando pela perda de credibilidade dos investidores. Mas talvez isso fique
reservado para 2011. Não será surpresa se, sob o pretexto de recursos
insuficientes, aparecer outra idéia mirabolante de aumento de impostos.
Entra governo, sai governo, e fica cada
vez mais difícil fazer com que o setor público ceda espaço para o resto da
sociedade. O Brasil pode sim crescer 7% ou 8% no futuro, mas precisamos plantar
essa capacidade hoje. E, para tanto, é necessário que o governo deixe o setor
privado investir e os consumidores consumirem. Se outros países fizeram isso e
deu certo, porque não pode dar aqui?
Publicado no Informe Econômico de 28/07/2008
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