segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Cada vez mais governo e menos iniciativa privada

A “bola da vez” dos últimos meses é a preocupação com a inflação, seja no cenário externo ou no Brasil. Em qualquer canto, alguém irá dizer que sabe a causa do forte aumento dos preços de energia, metais e alimentos: uma seca ali, o uso do milho para produzir combustíveis alternativos em países desenvolvidos, os famosos especuladores, o rápido aumento da demanda nas economias emergentes, etc. Muito também se discute sobre os instrumentos que podem ser usados para evitar a perda no controle de preços, como acontece na Argentina e na Venezuela. E sempre se encontra a unanimidade do aumento dos juros, confirmado na semana passada na reunião do Copom.

Algumas vozes falam da contribuição da política fiscal nesse processo, via controle do gasto público, um casamento antigo com a política monetária, bem fundamentado nos livros de economia, e que sempre dá certo. Recentemente o governo brasileiro anunciou que vai economizar um pouco mais em 2008, do que o prometido anteriormente, uma tentativa de ajudar o Banco Central no controle de preços. Aplaude-se tal atitude, porém, em magnitude, não será suficiente, pois a proposta de poupança adicional ocorre sobre o aumento de arrecadação, e não sobre o orçamento. Em outras palavras, o que o governo está dizendo é que vai jogar menos lenha na fogueira, e não irá tentar apagar o incêndio.
Pouco se fala de outra estratégia, como o aumento dos compulsórios sobre os depósitos à vista ou a prazo. É verdade que ele já é alto no Brasil mas, se o objetivo é conter a expansão da demanda, o aumento do compulsório poderia contribuir para reduzir a velocidade do avanço do crédito no País. O resultado para a economia é rápido e eficiente, o custo para a sociedade como um todo é menor que o aumento da taxa de juros, muito menor que a elevação de alíquotas de tributos que incidem sobre o crédito e, por fim, é mais fácil de administrar. Claro, não tem lanche de graça. Um compulsório mais elevado representa custo do dinheiro maior para os bancos que irão, naturalmente, repassá-los para os tomadores via aumento do spread bancário. Mas, esse é o objetivo, conter a expansão da demanda via liquidez. Porém, essa ferramenta parece ainda não estar nos planos da autoridade monetária.
De qualquer maneira, o resultado que todos já sabem é: em 2008 a inflação será maior que 2007, teremos aperto monetário, menor dinâmica nos investimentos e criação de empregos, com reflexos diretos sobre a atividade econômica. Mas longe de se ter uma recessão, iremos apenas crescer menos. Isso tudo era necessário? Do ponto de vista da teoria dos ciclos econômicos, nada de diferente do que acontece em outros países, sejam desenvolvidos ou emergentes. Períodos de crescimento seguidos de um ciclo de menor atividade, ajuste entre oferta e demanda e novo ciclo de crescimento. Porém, poderia ser evitado se houvesse no governo federal uma sintonia mais fina entre política fiscal e monetária.
A atitude do Banco Central, ao aumentar juros, pode ser interpretada como um recado aos que acreditam no “toque de Midas” do gasto público: tudo bem, o governo quer continuar a gastar, então, para evitar mais aumento de preços, vou ter que fazer o setor privado reduzir seu gasto via juros maiores. A conta é simples e a regra é clara: o PIB é explicado pelo gasto público mais o gasto privado. O cobertor é único e curto. Dada a capacidade de crescimento da economia, se queremos crescer com estabilidade de preços, quanto maior for a expansão dos gastos do governo, menor deve ser o crescimento dos demais componentes, sob pena de se ter um desequilíbrio entre oferta e demanda com pressões inflacionárias. Assim, está claro que, se a opção do governo é continuar com gastos públicos elevados, devemos reduzir o avanço do setor privado, pois a economia não suporta ambos crescendo a taxas elevadas. Somente após a maturação de investimentos que essa combinação pode vir a se materializar em um patamar mais elevado.
A conta vem cedo ou tarde. A redução do gasto privado terá, como conseqüência, um crescimento menor na arrecadação de tributos em 2009. Como os gastos orçamentários são rígidos e vários compromissos já estão assumidos para o próximo ano, como revela a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), onde se prevê gastar cerca de R$ 10 bilhões a mais somente com salários do funcionalismo público, será natural um nível de superávit primário menor. As conseqüências vão desde menor economia de recursos para fazer frente ao pagamento de juros e impactos sobre o estoque de dívida interna, até o comprometimento dos gastos sociais para os próximos anos, passando pela perda de credibilidade dos investidores. Mas talvez isso fique reservado para 2011. Não será surpresa se, sob o pretexto de recursos insuficientes, aparecer outra idéia mirabolante de aumento de impostos.
Entra governo, sai governo, e fica cada vez mais difícil fazer com que o setor público ceda espaço para o resto da sociedade. O Brasil pode sim crescer 7% ou 8% no futuro, mas precisamos plantar essa capacidade hoje. E, para tanto, é necessário que o governo deixe o setor privado investir e os consumidores consumirem. Se outros países fizeram isso e deu certo, porque não pode dar aqui?

Publicado no Informe Econômico de 28/07/2008

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