quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Alguém viu o emprego em outubro?

Escrever novamente sobre a crise internacional e seus impactos no Brasil ou no Rio Grande do Sul pode parecer repetitivo. Mas, até o momento, os eventos mais marcantes estiveram relacionados ao mercado internacional, com uma ou outra passagem por questões de cunho financeiro no Brasil, como menor fechamento de ACC – adiantamentos de contratos de câmbio maiores taxas de juros nos empréstimos bancários e o relato de dificuldades das empresas em conseguirem recursos para financiar seu fluxo de caixa. Para muitos, a crise parecia um “ser extraterrestre” e que, olhando para o retrovisor de dados da economia brasileira, que retratam nossa solidez macroeconômica, estaríamos com escudos capazes de nos proteger do pior.

Pois bem, parece que a partir da divulgação dos dados do mercado de trabalho formal no Brasil, referentes ao mês de outubro, saímos do campo da “especulação”, e podemos dizer que fomos abduzidos pela crise.
De uma maneira geral, a performance do mercado de trabalho formal no mês de outubro não foi dos piores. Afinal de contas, continuamos a gerar vários postos de trabalho no País, foram 61 mil naquele mês. Não é o recorde histórico que vínhamos presenciando nos meses de outubro passados, como os 205 mil em 2007. Porém, para convencer o leitor de que esse resultado pode ser a “luz amarela” na estrada do crescimento sustentável, será necessário torturar bastante dos dados até que eles confessem a realidade. E conseguimos.
O resultado de outubro é o pior dentre todos os meses de outubro dos últimos cinco anos. Na análise setorial, podemos ver que a agropecuária e o comércio não tiveram números tão ruins. Outubro e novembro são meses de maiores contratações no comércio e, mesmo que em menor ritmo, parece que o setor está apostando em um natal ainda positivo. Mas, o que chama a atenção são os resultados da indústria de transformação, que teve o pior mês de outubro dos últimos 10 anos. Foram apenas 8,7 mil empregos gerados no Brasil. Regionalmente podemos ver algumas disparidades. Tradicionalmente a indústria de Minas Gerais fecha postos de trabalho no mês de outubro mas, a proporção verificada, com a demissão de 29,4 mil trabalhadores, só tem paralelo com 1998. Para compensar esses números, a indústria de São Paulo, responsável por 36% dos empregos do setor no Brasil criou 34 mil postos de trabalho. Seria uma boa notícia não fosse o fato de que esse é o menor número desde 2004.
E o Rio Grande do Sul? Os dados gaúchos também tiveram que ser torturados. Em outubro, ocorreram 8,7 mil contratações adicionais (já considerando as demissões). Que bom, continuamos a gerar empregos. Sim, mas é o menor valor desde 2002. Migrando para a análise setorial, há informações mais importantes. Aqui, como no Brasil, os resultados para a agropecuária e o comércio foram normais. Mas, a indústria gaúcha teve o pior resultado dos últimos 10 anos no mercado de trabalho formal, com o fechamento de 1,17 mil postos de trabalho.
A abertura dos dados da indústria comprova o que se percebia. A crise irá atingir setores e regiões em momentos e intensidades diferentes. Selecionamos três segmentos que chamam a atenção. O primeiro deles é uma surpresa. É a primeira vez no Plano Real que a indústria metalúrgica gaúcha fecha empregos em outubro. Não bastasse isso, está na contra-mão do resultado verificado no Brasil, que teve 1,8 mil contratações. A indústria mecânica, outro segmento importante no complexo metal-mecânico do Estado, também teve o pior mês de outubro da história. O que há de comum nesses dois resultados é o fato de ambos pertencerem a uma cadeia produtiva que responde de maneira rápida a crises de demanda, como a que presenciamos nesse momento. Com o aumento da incerteza, que reduz o fluxo financeiro, aumenta os custos dos empréstimos e reduz prazos, há redução no volume de comercialização de produtos de maior valor final, relacionados a juros e crédito. Esse é o caso dos segmentos de bens de capital e bens de consumo duráveis.
O terceiro segmento que chama atenção é o calçado. Tudo bem que o mesmo já vinha de um cenário difícil sob o impacto de todos os fatores negativos que o atinge diretamente, como câmbio valorizado e etc. Mas, o fechamento de 1,9 mil empregos em outubro é o maior da história para esse mês. Seus impactos estão concentrados em oito municípios do Estado, com destaque para o Vale dos Sinos, com 1,4 mil vagas a menos naquele mês.
     O quadro pode não ser tão negativo quando se observa o agregado. E podemos ainda insistir que estamos esperando uma “marolinha”, e que os resultados de outubro podem ser vistos como “um ponto fora da reta”. Porém, prefiro assumir a posição de alerta e, acreditar que, no mínimo, o mercado de trabalho formal no Brasil perdeu a dinâmica que vinha mostrando nos tempos áureos de céu de brigadeiro desde 2003. Afinal, o que podemos esperar? A linha de frente da crise foi o setor exportador, com a restrição de crédito, e a indústria, com a queda repentina na demanda. Os sinais de redução das horas trabalhadas estão para aparecer, e devem confirmar novos números ruins para o mercado de trabalho. O comércio deve ser o segundo pelotão a sentir a crise, provavelmente ainda nesse final de ano.


Publicado no Informe Econômico de 01/12/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário