domingo, 10 de agosto de 2014

A crise em Estágios

Em um primeiro momento, os sinais da crise no Brasil se fizeram sentir no mercado de capitais e na
maior volatilidade da taxa de câmbio. Até o início de
dezembro, era difícil apontar indicadores econômicos
que pudessem dar a sua dimensão, fora o
comportamento das vendas e a produção do segmento
de material de transporte, muito sensível ao crédito.
Por mais que a imprensa nacional buscasse dados que
pudessem refletir a crise aqui na mesma dimensão que
a verificada no exterior, não conseguia. O máximo era
uma notícia de demissões e férias coletivas em
algumas empresas em uma região, e piora no
sentimento de consumidores e investidores. Além
disso, corroborava com a tese de “marolinha” o fato
de que nem todos os setores da economia foram
afetados de imediato, e com a mesma intensidade. As
exportações continuavam a crescer e ainda havia
contratações na construção civil, aumento de vendas
no comércio, em especial com os supermercados
apresentando um bom nível de vendas, e os bancos
brasileiros estavam capitalizados para continuar a
emprestar.
Prever como essa crise afeta o Brasil nos
próximos meses, tanto em termos de prazo quanto
magnitude é um exercício interessante, e deve ser
feito de maneira técnica. O primeiro ponto é aceitar
que crises financeiras ultrapassam a barreira que as
separa do mundo real. Ou seja, quedas contínuas e
acentuadas nos mercados de renda variável, acarretam
perdas em fundos de investimentos, e modificam o
comportamento dos consumidores e investidores e se
reflete, invariavelmente, na indústria e no comércio. A
história comprovou isso em crises anteriores, e
acredito que essa “tese” tenha pouca rejeição. No caso
do Brasil, por mais que seja pequena a participação da
população no mercado acionário, esse impacto já pode
ser observado no último trimestre do ano passado,
quando uma riqueza da ordem de R$ 600 bilhões
deixou de figurar contabilmente na economia com a
queda do valor de mercado das ações na Bovespa. Isso
irá afetar as garantias de investimento das empresas, o
planejamento de consumo das famílias com a
aposentadoria, e também a arrecadação de impostos
do governo. E, mesmo que você não esteja
“comprado” em ações ou num fundo de ações, irá
sentir seus efeitos.
O segundo “dogma”, se refere aos efeitos
disseminadores da globalização comercial e
financeira. O mundo Já experimentou os reflexos
dessa em momentos anteriores, como na crise da Ásia
em 1997 e na recessão americana de 2001. Na atual
crise, os impactos vieram de forma lenta e gradual,
seguindo a piora nos índices de confiança na Europa e
nos EUA e na menor produção industrial e,
rapidamente, se alastrou para vários países, com a
queda das encomendas da indústria e o menor ímpeto
de consumo.
No Brasil, a redução nas transações comerciais já
se fez sentir entre os meses de novembro e dezembro,
mas foi somente em janeiro que o setor externo foi
fortemente afetado pela queda na demanda. E, é
importante frisar, não será apenas uma taxa de câmbio
mais favorável que irá nos salvar, pois o problema não
está no preço, e sim, na renda externa. Mas, um
câmbio da ordem de R$/US$ 2,2 realmente pode
representar um diferencial de competitividade no
médio prazo, quando a poeira baixar no cenário
externo. Podemos argumentar que é limitada a
capacidade do setor externo em produzir uma crise no
Brasil, devido sua pequena participação frente ao PIB.
Mas, ela ocorre e, via efeitos multiplicadores, em
especial o efeito renda, irá gerar, no curto prazo,
fricções no mercado de trabalho e na arrecadação de
impostos indiretos, em especial nos municípios.
Avançando um pouco mais na análise da crise, é
importante entender que a origem foram os problemas
no mercado de crédito. Assim, segmentos da
economia ligados ao emprego e à renda, como a
indústria de alimentos, bebidas, vestuário, calçados,
além do comércio varejista e atividades imobiliárias,
devem sentir uma piora nos indicadores em um
segundo momento. Em alguns casos, inclusive,
devemos verificar segmentos com aumento na
atividade. Isso é normal. Caso contrário, se todas as
atividades entrarem no campo vermelho, teríamos sim
uma recessão, e não uma desaceleração, que já é
aceita como a “tese” que irá substituir a “marolinha”.
Nessa semana saem os indicadores da indústria
brasileira do mês de janeiro e, a expectativa é de uma
nova retração, seja frente a janeiro de 2008, ou então,
relativamente a dezembro último. Já os resultados do
comércio para o mês de janeiro, serão divulgados na
semana que vem. Portanto, será a partir de agora que
iremos verificar os impactos da crise no campo da
renda.
Por fim, Não há como negar que, em um
ambiente de menor consumo, produção e
comercialização, tenha-se uma queda na arrecadação.
Os primeiros números, que ainda refletem o estágio da
produção, já foram conhecidos na semana passada,
queda de 4,7% na arrecadação de tributos por parte do
Tesouro Nacional (jan09/jan08). Isso representa R$
2,5 bilhões a menos, e se refletiu, também, na menor
transferência para Estados e Municípios. Por outro
lado, as despesas aumentaram em 31% para o mesmo
período. O descontrole do gasto púbico é, nesse
momento, nosso maior inimigo na tarefa de reduzir os
efeitos da crise. Nesses últimos anos, o governo se
descuidou das reformas, e agora podemos pagar o
preço.

Publicado no informe econômico de 02/março/2009

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