Na semana passada, foram divulgados os
dados preliminares do resultado do setor externo brasileiro no fechamento do
ano de 2007. De Norte a Sul comemorou-se o fato do Brasil ser um credor
externo. O que isso significa? Que nossa dívida pública e privada com credores
internacionais é menor do que o valor que possuímos de ativos em moeda
estrangeira. Ou seja, que se de uma hora para outra for necessário pagar o que
devemos, há recursos em caixa para tal. Situação atípica na história econômica
do País, mas que seus benefícios e custos não estão devidamente esclarecidos
para a sociedade.
Dois movimentos explicam a consolidação
desse cenário. Primeiro que, nos últimos cinco anos, o setor público no Brasil
tem aproveitado a farta oferta de dólares no mercado internacional para pagar
seus compromissos, resgatando dívida antiga. Da mesma forma que emitiu dívida
nova em uma velocidade menor, com juros mais baixos e a prazos mais longos.
Sendo assim, o estoque de dívida externa do setor público caiu de forma
consistente, atingindo cerca de US$ 84 bilhões no final do ano passado.
Enquanto o governo reduziu seu estoque
de dívida externa, o setor privado aproveitou essa janela de mercado benigno
para buscar recursos a taxas de juros baixas e emprestar a juros maiores no
Brasil, ou então, como é o caso de diversas empresas, captando dólares para
investir em expansão da produção. Também não deve-se negligenciar as ações dos
bancos, que captaram dólares lá fora, a juros menores, para emprestar aqui, a
juros maiores. Dessa forma, para o mesmo período, a dívida externa em mãos do
setor privado aumentou para cerca de US$ 110 bilhões, estando hoje acima da
dívida do setor público.
O segundo movimento foi a acumulação de
reservas, na esteira das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio,
que colocaram as mesmas acima de US$ 180 bilhões ao final de 2007. Dessa forma,
o resultado entre, de um lado, a dívida externa total e, de outro, os ativos de
posse do País, notadamente reservas, é uma dívida externa líquida negativa, ou
então, uma economia credora no cenário internacional. Pode parecer estranho,
mas é isso mesmo. A economia emergente do Brasil, com todos os problemas de
desigualdade de renda, de infra-estrutura logística, com instituições ainda não
tão sólidas e renda per capita baixa, atinge uma situação no qual passa a ter o
luxo, ou status para alguns, de
emprestar dólares para outros países mais desenvolvidos e ricos, como os EUA.
Será que eu resido em um País rico e não sabia? Estaria o governo escondendo
essa realidade da sociedade? Não caro leitor, a economia brasileira continua da
mesma maneira e, seguindo a máxima de que “não existe lanche de graça”, esse status de credor internacional tem seus
custos.
Para acumular reservas, o Banco Central vai a
mercado comprar dólares e, em contrapartida, emite reais – não é possível
transacionar com moeda estrangeira em território nacional. Com isso, ocorre um
fenômeno que os economistas denominam de expansão da base monetária, ou seja,
mais reais circulando pelas veias de consumo do País. Para evitar que essa
chuva de moeda resulte em aumento de preços, a alternativa é emitir dívida
interna para enxugar uma parte desse montante. E aqui está o lanche que não é
gratuito. O juro pago na dívida interna esteve, em média no ano passado, em
11,8% ao ano. Ao passo que os dólares comprados foram direcionados para
investimentos no exterior, como por exemplo, títulos da dívida interna do
governo dos EUA. Supondo que a escolha do Banco Central tenha sido comprar as T-notes, títulos de dívida de 10 anos, o
mais líquido e seguro no mercado internacional, o ganho de juros para o Brasil
com as reservas, foi da ordem de 4,1% ao ano em 2007. Como pode ser visto, uma
diferença significativa com o custo de composição dessa reserva mas, que, de
alguma forma, foi útil para impedir que o real se valorizasse mais.
Esse custo é difícil de mensurar em
quantidade e sua incidência no tempo mas, sabe-se com certeza que ele se
materializa. Qual seria a alternativa para reduzi-lo? (1) não aumentar as
reservas mas, isso teria, por outro lado, o custo de uma valorização mais
acentuada do real, prejudicando a produção interna. (2) zerar a dívida externa
reduzindo a necessidade de acúmulo de mais ativos. Porém, isso não é bom, pois
elimina uma referência de juros e credibilidade para o País no cenário internacional
quando for necessário captar recursos. Os investidores não estariam tão
dispostos a comprar uma dívida de um País que não tem nenhuma outra dívida em
mercado que seja possível usar para avaliação da sua capacidade como devedor.
Seria um tiro no escuro. (3) reduzir os juros internos. Os maiores críticos dos
juros altos descobriram que isso não é possível de fazer somente com a caneta
quando assumiram o poder no Brasil. (4) aumentar o superávit primário. Sem
dúvida a melhor, mais sensata e crível opção. Com maior poupança do setor
público, abre-se espaço para que o Banco Central continue as intervenções no
mercado de câmbio sem, com isso, implicar em emissão de dívida interna com fins
de controle da inflação.
É
verdade que desde Cabral o Brasil não atingia a situação de dívida externa
líquida negativa, tornando-se credor internacional. Mas, prefiro dizer que,
nunca na história desse País pegou-se tantos recursos dos brasileiros para
financiar o consumo dos outros países.
Publicado no Informe Econômico de 03/03/2008
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