segunda-feira, 28 de julho de 2014

UM OLHO NO ORÇAMENTO OUTRO NA ECONOMIA

Um dos mais importantes fatores de risco para o crescimento econômico mundial, apontado seguidamente por analistas de mercado, são os déficits gêmeos dos EUA: a combinação de gastos maiores que receitas, por parte do governo federal, com uma conta de transações correntes deficitárias. Entretanto, a expectativa é que um desses gêmeos já não apresente tanto risco para o cenário internacional.
O ano fiscal nos EUA inicia-se sempre no mês de julho, e o relatório de agosto do Departamento de Orçamento do Congresso (CBO – Congressional Budget Office), sinaliza que, pelo menos até 2016, não há perspectiva do déficit primário ser revertido. A boa notícia é que ele será reduzido de forma lenta e gradual. Depois de ter atingido o pico de 4,5% do PIB em 2004, bem acima da média histórica de 2,3%, o déficit americano deve terminar o ano de 2006 em 2% do PIB, e cair para apenas 0,4% em 2016. Vale ressaltar que essas projeções levam em conta elevações, como percentual do PIB, tanto das receitas quanto das despesas do governo. Porém, é do lado das despesas que reside a maior preocupação em matéria de orçamento nos EUA, onde é possível notar uma perspectiva de piora no quadro estrutural, que impede um ajuste orçamentário mais forte no curto prazo. De uma forma geral, o orçamento federal nos EUA pode ser dividido em dois conjuntos de gastos, os denominados de obrigatórios (53% do total) e os discricionários (38%) – os demais são gastos com juros.

No primeiro caso, as fontes de pressão para maiores dispêndios provêm da seguridade social e dos programas de saúde, como Medicare e Medicaid que, juntos, consomem 77,7% dos gastos obrigatórios. As previsões são de que nos próximos dez anos, cerca de 12 milhões de pessoas passem a ter idade para usufruírem dos benefícios previdenciários no país, elevando o número total de aposentados para 61 milhões, um aumento de gastos da ordem de US$ 388 bilhões. A previdência, principal fonte de despesa do governo, compromete 4,2% do PIB, e deve aumentar essa participação para 4,7% do PIB em 2016. O programa Medicare, voltado para atendimento à saúde, consume 3,2% do PIB (US$ 446 bilhões). Com a projeção de aumento dos custos de serviços relacionados à saúde, essa rubrica deve chegar a 4,4% do PIB, um aumento de US$ 463 bilhões em 10 anos. Por fim, com menor volume, o programa Medicaid compromete 1,4% do PIB, mas, mesmo assim, projeta-se que possa atingir 1,9% em 2016.
Pelo lado de gastos discricionários, o item de maior importância são as despesas com defesa, US$ 522 bilhões em 2006 e projeção de crescimento para US$ 701 bilhões até 2016. Nesse caso, os gastos suplementares que têm sido feitos para a guerra no Iraque e Afeganistão são apontados como de maior pressão para a elevação recente nas despesas públicas. De 2001 até o fim do ano fiscal de 2006, o governo dos EUA gastou um total de US$ 432 bilhões nessas duas guerras, e a CBO projeta que esses gastos continuem elevados nos próximos anos.
Porém, é importante reconhecer que esse item, juntamente com os gastos relacionados a desastres naturais e programas emergenciais (que não estão relacionados ao item defesa) é um dos que apresenta o maior grau de incerteza na previsão do orçamento para os próximos anos. Destaca-se que em 2006, os dispêndios com os prejuízos causados pelos furacões Katrina e Rita, e com a gripe aviária somaram US$ 31 bilhões, dos quais US$ 20 bilhões foram autorizados apenas em junho último, o que ajuda a tornar mais imprevisível o comportamento do orçamento.
Apesar disso, no orçamento de 2007 o governo americano sinaliza a manutenção do ajuste do Estado ao tamanho da economia para os próximos anos, e limitou o aumento dos gastos discricionários à taxa de inflação, além de promover cortes em programas que não estão relacionados à defesa e que não geraram resultados satisfatórios nos últimos anos. Tal iniciativa deve resultar em uma poupança da ordem de US$ 15 bilhões, somente no ano que vem. 
Outra fonte de risco que atinge o país é o petróleo. Como se sabe, os EUA são muito dependentes dessa fonte de energia, e a elevação dos preços da commodity nos últimos anos ensejou a suplementação de recursos orçamentários para programas de pesquisa em novos materiais, usos e processos relacionados a fontes de energia alternativa, como a energia nuclear, solar e o biocombustível. Tudo para reduzir em 75% a dependência do petróleo até 2010. 
Apesar do déficit orçamentário dos últimos anos, o país continua a demonstrar uma exuberância no crescimento econômico. O governo aposta na manutenção desse desempenho elevado – projeção de crescimento do PIB a uma taxa média de 3% até 2011 – para que o ajuste do orçamento se dê de forma mais suave. O instrumento que deverá ser utilizado, apesar de aparentemente contraditório, é o incentivo fiscal, para gerar maior competitividade para as empresas americanas, como por exemplo, a redução de impostos para ganhos de capital e dividendos e redução do imposto de renda individual. O déficit orçamentário dos EUA não deve mais figurar como uma surpresa nas análises econômicas. Entretanto, a sinalização de sua correção, mesmo que lenta e gradual, é um elemento importante a reduzir as incertezas no cenário internacional.

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 11/09/2006


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