Um dos mais
importantes fatores de risco para o crescimento econômico mundial, apontado
seguidamente por analistas de mercado, são os déficits gêmeos dos EUA: a
combinação de gastos maiores que receitas, por parte do governo federal, com
uma conta de transações correntes deficitárias. Entretanto, a expectativa é que
um desses gêmeos já não apresente tanto risco para o cenário internacional.
O ano fiscal
nos EUA inicia-se sempre no mês de julho, e o relatório de agosto do
Departamento de Orçamento do Congresso (CBO – Congressional Budget Office),
sinaliza que, pelo menos até 2016, não há perspectiva do déficit primário ser
revertido. A boa notícia é que ele será reduzido de forma lenta e gradual.
Depois de ter atingido o pico de 4,5% do PIB em 2004, bem acima da média
histórica de 2,3%, o déficit americano deve terminar o ano de 2006 em 2% do
PIB, e cair para apenas 0,4% em 2016. Vale ressaltar que essas projeções levam
em conta elevações, como percentual do PIB, tanto das receitas quanto das
despesas do governo. Porém, é do lado das despesas que reside a maior
preocupação em matéria de orçamento nos EUA, onde é possível notar uma
perspectiva de piora no quadro estrutural, que impede um ajuste orçamentário
mais forte no curto prazo. De uma forma geral, o orçamento federal nos EUA pode
ser dividido em dois conjuntos de gastos, os denominados de obrigatórios (53%
do total) e os discricionários (38%) – os demais são gastos com juros.
No primeiro
caso, as fontes de pressão para maiores dispêndios provêm da seguridade social
e dos programas de saúde, como Medicare e Medicaid que, juntos, consomem 77,7%
dos gastos obrigatórios. As previsões são de que nos próximos dez anos, cerca
de 12 milhões de pessoas passem a ter idade para usufruírem dos benefícios previdenciários
no país, elevando o número total de aposentados para 61 milhões, um aumento de
gastos da ordem de US$ 388 bilhões. A previdência, principal fonte de despesa
do governo, compromete 4,2% do PIB, e deve aumentar essa participação para 4,7%
do PIB em 2016. O programa Medicare, voltado para atendimento à saúde, consume
3,2% do PIB (US$ 446 bilhões). Com a projeção de aumento dos custos de serviços
relacionados à saúde, essa rubrica deve chegar a 4,4% do PIB, um aumento de US$
463 bilhões em 10 anos. Por fim, com menor volume, o programa Medicaid
compromete 1,4% do PIB, mas, mesmo assim, projeta-se que possa atingir 1,9% em
2016.
Pelo lado de
gastos discricionários, o item de maior importância são as despesas com defesa,
US$ 522 bilhões em 2006 e projeção de crescimento para US$ 701 bilhões até
2016. Nesse caso, os gastos suplementares que têm sido feitos para a guerra no
Iraque e Afeganistão são apontados como de maior pressão para a elevação
recente nas despesas públicas. De 2001 até o fim do ano fiscal de 2006, o
governo dos EUA gastou um total de US$ 432 bilhões nessas duas guerras, e a CBO
projeta que esses gastos continuem elevados nos próximos anos.
Porém, é
importante reconhecer que esse item, juntamente com os gastos relacionados a
desastres naturais e programas emergenciais (que não estão relacionados ao item
defesa) é um dos que apresenta o maior grau de incerteza na previsão do
orçamento para os próximos anos. Destaca-se que em 2006, os dispêndios com os
prejuízos causados pelos furacões Katrina e Rita, e com a gripe aviária somaram
US$ 31 bilhões, dos quais US$ 20 bilhões foram autorizados apenas em junho
último, o que ajuda a tornar mais imprevisível o comportamento do orçamento.
Apesar disso,
no orçamento de 2007 o governo americano sinaliza a manutenção do ajuste do Estado
ao tamanho da economia para os próximos anos, e limitou o aumento dos gastos
discricionários à taxa de inflação, além de promover cortes em programas que
não estão relacionados à defesa e que não geraram resultados satisfatórios nos
últimos anos. Tal iniciativa deve resultar em uma poupança da ordem de US$ 15
bilhões, somente no ano que vem.
Outra fonte de
risco que atinge o país é o petróleo. Como se sabe, os EUA são muito
dependentes dessa fonte de energia, e a elevação dos preços da commodity nos
últimos anos ensejou a suplementação de recursos orçamentários para programas
de pesquisa em novos materiais, usos e processos relacionados a fontes de
energia alternativa, como a energia nuclear, solar e o biocombustível. Tudo
para reduzir em 75% a dependência do petróleo até 2010.
Apesar do déficit
orçamentário dos últimos anos, o país continua a demonstrar uma exuberância no
crescimento econômico. O governo aposta na manutenção desse desempenho elevado
– projeção de crescimento do PIB a uma taxa média de 3% até 2011 – para que o
ajuste do orçamento se dê de forma mais suave. O instrumento que deverá ser
utilizado, apesar de aparentemente contraditório, é o incentivo fiscal, para
gerar maior competitividade para as empresas americanas, como por exemplo, a
redução de impostos para ganhos de capital e dividendos e redução do imposto de
renda individual. O déficit orçamentário dos EUA não deve mais figurar como uma
surpresa nas análises econômicas. Entretanto, a sinalização de sua correção,
mesmo que lenta e gradual, é um elemento importante a reduzir as incertezas no
cenário internacional.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
11/09/2006
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