A memória dos
fracassos de planos econômicos passados ainda está fresca na mente dos
brasileiros, por isso que damos valor à estabilização monetária, e passamos a
considerá-la como uma das mais importantes conquistas da nossa sociedade nos
últimos anos. Vale lembrar que um dos pontos mais importantes do plano Real era
que esse não pretendia cometer os mesmos erros do passado, como congelamento de
preços, excessivos reajustes de salários acima da inflação e o descontrole do
gasto público. Todas essas medidas resultavam na modificação da demanda e não
eram seguidas de políticas de expansão da oferta. Um princípio simples
explicado nas cadeiras de introdução a economia, e que sintetiza a necessidade
de se ter o equilíbrio no mercado de bens e fatores de produção.
Imaginávamos
que o Plano Real havia enterrado de vez essas incursões populistas que produziam
benefícios de curto prazo e custos elevados de ajuste para o longo prazo.
Porém, o comportamento do gasto público na esfera federal e os resultados do
PIB divulgados na semana passada, mostram justamente o contrário. A execução
orçamentária da União revela um aumento sem precedentes em despesas que impactam
diretamente a demanda. Desde a contratação recorde de 90 mil servidores
públicos nos últimos 3 anos, até os gastos com assistência social, além de
transferências de renda e gastos com programas como organização agrária, há um
sem número de ações que devem ultrapassar, somente em 2006, a cifra de R$ 30
bilhões. Valor suficiente para modificar de maneira significativa o consumo das
famílias.
Podemos
enganar os economistas, mas não a economia. Tal medida produziu uma expansão
sem precedentes do consumo privado em determinadas regiões do Brasil. Como boa
parte dos recursos que integram esse tipo de programa são direcionados a áreas
com menor renda, como as regiões norte e nordeste do país, nota-se que são
justamente essas que apresentam o maior aumento na demanda. Nos últimos 12
meses, as vendas de eletrodomésticos e móveis na Bahia já aumentaram 30%, no
Ceará 27% e em Pernambuco 24%, ao passo que a média brasileira foi de 11%.
Detalhe, no Rio Grande do Sul presencia-se um crescimento de apenas 1,48%. No
total, o varejo no Brasil cresce 5,3%, enquanto na Bahia avança 8%, em Pernambuco
9,2% e no Ceará 13,8%.
Os dados do
PIB de 2006 confirmam os impactos da política de expansão da demanda que tem
sido implementada de forma silenciosa. Como se sabe, o PIB pode ser analisado a
partir de três óticas diferentes, mas que produzem o mesmo resultado: pela
produção, demanda, ou renda. Pelo lado da produção, ou seja, expansão da
oferta, destaque para o setor de serviços, que cresceu 2,3% no acumulado do ano,
com o comércio apresentando o melhor impacto. Por outro lado, a indústria de
transformação cresceu apenas 1,4% para o mesmo período.
Do lado da
demanda, o item que apresentou o melhor desempenho foi o consumo das famílias
com expansão de 3,8% no acumulado do ano.
Vale ressaltar que essa foi a maior variação desde 2001, e representa cerca de
R$ 37 bilhões de acréscimo no consumo. Como não foi a produção interna que
atendeu a esse aumento, coube ao aumento da importação fazer o equilíbrio no
mercado de bens, com aumento de 14% no volume importado no primeiro semestre
sobre o mesmo período do ano passado. Resultado esse que contribuiu para um
aumento de 4% no volume arrecadado de impostos sobre produtos. Até então não
deveríamos nos preocupar com o aumento da demanda a uma taxa muito acima da
oferta se estivéssemos diante de uma expansão do investimento que pudesse gerar
o equilíbrio no médio prazo. Porém, esse apresenta tendência de queda. Após ter
atingido a taxa de crescimento recorde de 10,9% ao final de 2004, no segundo trimestre
de 2006 cresceu apenas 2,9%.
Como pode ser
visto, a decomposição do crescimento do PIB do Brasil nesse primeiro semestre
de 2006 revela o lado perverso de uma política econômica populista em pele
ortodoxa. De um lado o governo vende a ideia de controle de gastos via
superávit primário mas, de outro, alimenta a demanda com o aumento das
contratações, gastos com pessoal e despesas diversas a uma taxa muito maior que
as receitas. Adota uma política de metas de inflação (importante para o país) e
promove a redução dos juros até o limite em que a demanda não represente uma
pressão sobre os preços na economia. Porém, de outro, aumenta a renda com
reajuste de salário mínimo muito acima da inflação, o que contribui para
ampliar o déficit da previdência, e promove a expansão da demanda via gastos
diretos.
Por enquanto,
essa política é sustentada pela arrecadação recorde de impostos que retira
recursos do setor produtivo, de um lado, para ser usado em expansão do consumo
das famílias, de outro. Tal cenário tem contribuído para retrair os
investimentos e a capacidade do país de conviver com taxas de crescimentos
maiores e mais consistentes no futuro. Esse ciclo vicioso deverá ser rompido em
algum momento, seja pelo controle mais rígido dos gastos, com impactos sobre o
mercado interno, seja via aumento de preços. A economia e a experiência
brasileira do passado nos mostra que não há lanche de graça, alguém terá que
pagar essa conta.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
04/09/2006
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