terça-feira, 29 de julho de 2014

ROUPA SUJA SE LAVA EM CASA

Os meses de julho e agosto, serão lembrados no ano de 2007 pela ebulição dos riscos provenientes do mercado de crédito imobiliário nos EUA, e que contaminaram diversos ativos e países, modificando o cenário de médio prazo. Sem procurar minimizar os impactos dessa crise, o que se verificou nas últimas semanas foi um movimento de ajuste nos preços de uma parte do mercado de crédito americano (o mercado imobiliário representa cerca de 25% do total de crédito no país), e que esteve concentrado em um determinado segmento, os clientes de maior risco.
As empresas que atuam na oferta de crédito imobiliário nos EUA selecionam os seus clientes em basicamente dois segmentos, os devedores prime e os subprime, que são definidos pelo histórico de pagamento de dívidas, a razão dívida/renda individual, o tempo de abertura de conta e a capacidade de provar a renda anunciada. Todos esses itens são analisados e pontuados, de tal forma que cada pessoa obtém um escore onde, valores maiores significam menor risco de crédito. Ressalta-se que existem diversas empresas especializadas em fazer essa classificação e oferecer esse resultado para os bancos que vão emprestar recursos. Geralmente, esse diferencial de risco representa entre 2 e 3 pontos percentuais de juros para os clientes subprime, acima daqueles que são pagos pelos classificados como prime.

O mercado de subprime, ou então, o crédito para clientes de maior risco, ganhou ímpeto a partir do início da década de 1990, quando os juros nos EUA eram muito baixos. Com isso, os proprietários de residências aproveitaram o cenário conjuntural favorável para refinanciar hipotecas, reduzindo a taxa de juros incidente ou então contratando novos empréstimos para financiar melhorias ou trocar de imóvel. Além disso, dois outros fatores permitiram que esse mercado evoluísse: a incorporação de tecnologia da informação, que auxiliou no controle de dados, e também a precificação dos clientes a partir dos escores de crédito. Com isso, ganhou-se em informação, tornando o mercado mais transparente e acessível para clientes de diversas classes sociais.
A partir de 2001, as taxas de juros nos EUA iniciaram uma nova tendência de queda que atingiu a marca de 1% a.a. ao final de 2003. Esse cenário favorável contribuiu para mais um movimento de alavancagem no mercado de crédito, que hoje é de quase US$ 9 trilhões, dos quais cerca de 80% estão classificados como clientes prime. Destaca-se que somente no ano passado, cerca de 20% de todos os recursos destinados para crédito imobiliário foram adquiridos pelos clientes subprime. Um valor que se situava em 6% em 2002. Da mesma forma, os clientes optaram pelo crédito com taxas de juros flutuante, que resultavam em prestações menores no início do contrato. A princípio, esse movimento de crédito em direção ao mercado subprime, não ofereceria riscos comparativamente ao estoque precificado de residências no país, da ordem de US$ 17 trilhões. Ou seja, a possível garantia supera em quase 2 vezes o total de recursos financiados. Porém, é importante destacar que nem todos os clientes desse mercado apresentam as mesmas características e nem sofrem de maneira homogênea os impactos de modificações na política monetária. A partir de meados de 2004, o Fed (Banco Central Americano) iniciou um processo de aumento de juros que durou até o ano passado. Tal cenário, conjugado com a queda no preço das residências e condições financeiras mais fracas dos consumidores, resultaram em aumento da inadimplência dos devedores subprime. Cerca de 10% do total de clientes classificados nessa categoria, eram inadimplentes em 2005. Atualmente são 13%, muito acima dos 3% verificados no grupo prime. Além disso, dentre os clientes com crédito com juros flutuantes, a inadimplência é maior.
Apesar da dificuldade em se determinar a magnitude da crise, as projeções dão conta de que a manutenção desse cenário pode representar um default de cerca de US$ 450 bilhões sobre o montante de crédito concedido. O detalhe é que a maior parte desse total está concentrada no mercado subprime, onde as empresas de crédito e os bancos alavancaram posições. As turbulências recentes tem muito a ver com a atuação dos hedge funds. Primeiro os recebíveis dos clientes subprime são agregados em uma carteira de crédito que posteriormente são lastreadas com a emissão de títulos. Os bancos adquirem esses títulos e os hedge funds ampliam essa corrente com o uso de derivativos. Quando cai o preço das residências, há um impacto imediato sobre a relação ativo/passivo, uma vez que a residência é usada como garantia no empréstimo. Com a necessidade de fazer depósitos para garantir os contratos, movimento conhecido como “chamada de margem”, há uma venda maciça de outros ativos, resultando em depreciação e falta de liquidez no mercado. Nesse momento, a crise está instalada.
Os organismos internacionais sempre cobraram de outras economias ações mais duras no controle sobre o crédito fornecido pelos bancos e instituições financeiras, de tal forma a evitar que os chamados “créditos podres”, pudessem contaminar toda a economia. Foi assim na crise da Ásia em 1997, com as ações do FMI e na Rússia em 1998 com a ação dos hedge funds. Apesar dos alertas, as crises sempre vieram, seguidas de reformas. Esperamos que ocorra regras mais rígidas no controle do crédito imobiliário nos EUA para o futuro. Roupa suja se lava em casa.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 27/08/2007

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