Os meses de julho e agosto, serão
lembrados no ano de 2007 pela ebulição dos riscos provenientes do mercado de
crédito imobiliário nos EUA, e que contaminaram diversos ativos e países,
modificando o cenário de médio prazo. Sem procurar minimizar os impactos dessa
crise, o que se verificou nas últimas semanas foi um movimento de ajuste nos
preços de uma parte do mercado de crédito americano (o mercado imobiliário
representa cerca de 25% do total de crédito no país), e que esteve concentrado
em um determinado segmento, os clientes de maior risco.
As empresas que atuam na oferta de
crédito imobiliário nos EUA selecionam os seus clientes em basicamente dois
segmentos, os devedores prime e os subprime, que são definidos pelo
histórico de pagamento de dívidas, a razão dívida/renda individual, o tempo de
abertura de conta e a capacidade de provar a renda anunciada. Todos esses itens
são analisados e pontuados, de tal forma que cada pessoa obtém um escore onde,
valores maiores significam menor risco de crédito. Ressalta-se que existem
diversas empresas especializadas em fazer essa classificação e oferecer esse resultado
para os bancos que vão emprestar recursos. Geralmente, esse diferencial de
risco representa entre 2 e 3 pontos percentuais de juros para os clientes subprime, acima daqueles que são pagos
pelos classificados como prime.
O mercado de subprime, ou então, o crédito para clientes de maior risco, ganhou
ímpeto a partir do início da década de 1990, quando os juros nos EUA eram muito
baixos. Com isso, os proprietários de residências aproveitaram o cenário
conjuntural favorável para refinanciar hipotecas, reduzindo a taxa de juros
incidente ou então contratando novos empréstimos para financiar melhorias ou
trocar de imóvel. Além disso, dois outros fatores permitiram que esse mercado
evoluísse: a incorporação de tecnologia da informação, que auxiliou no controle
de dados, e também a precificação dos clientes a partir dos escores de crédito.
Com isso, ganhou-se em informação, tornando o mercado mais transparente e
acessível para clientes de diversas classes sociais.
A partir de 2001, as taxas de juros nos
EUA iniciaram uma nova tendência de queda que atingiu a marca de 1% a.a. ao
final de 2003. Esse cenário favorável contribuiu para mais um movimento de
alavancagem no mercado de crédito, que hoje é de quase US$ 9 trilhões, dos
quais cerca de 80% estão classificados como clientes prime. Destaca-se que somente no ano passado, cerca de 20% de todos
os recursos destinados para crédito imobiliário foram adquiridos pelos clientes
subprime. Um valor que se situava em
6% em 2002. Da mesma forma, os clientes optaram pelo crédito com taxas de juros
flutuante, que resultavam em prestações menores no início do contrato. A
princípio, esse movimento de crédito em direção ao mercado subprime, não ofereceria riscos comparativamente ao estoque
precificado de residências no país, da ordem de US$ 17 trilhões. Ou seja, a
possível garantia supera em quase 2 vezes o total de recursos financiados.
Porém, é importante destacar que nem todos os clientes desse mercado apresentam
as mesmas características e nem sofrem de maneira homogênea os impactos de
modificações na política monetária. A partir de meados de 2004, o Fed (Banco
Central Americano) iniciou um processo de aumento de juros que durou até o ano
passado. Tal cenário, conjugado com a queda no preço das residências e
condições financeiras mais fracas dos consumidores, resultaram em aumento da
inadimplência dos devedores subprime.
Cerca de 10% do total de clientes classificados nessa categoria, eram
inadimplentes em 2005. Atualmente são 13%, muito acima dos 3% verificados no
grupo prime. Além disso, dentre os
clientes com crédito com juros flutuantes, a inadimplência é maior.
Apesar da dificuldade em se determinar
a magnitude da crise, as projeções dão conta de que a manutenção desse cenário
pode representar um default de cerca
de US$ 450 bilhões sobre o montante de crédito concedido. O detalhe é que a
maior parte desse total está concentrada no mercado subprime, onde as empresas de crédito e os bancos alavancaram
posições. As turbulências recentes tem muito a ver com a atuação dos hedge
funds. Primeiro os recebíveis dos clientes subprime são agregados em uma
carteira de crédito que posteriormente são lastreadas com a emissão de títulos.
Os bancos adquirem esses títulos e os hedge funds ampliam essa corrente com o
uso de derivativos. Quando cai o preço das residências, há um impacto imediato
sobre a relação ativo/passivo, uma vez que a residência é usada como garantia
no empréstimo. Com a necessidade de fazer depósitos para garantir os contratos,
movimento conhecido como “chamada de margem”, há uma venda maciça de outros
ativos, resultando em depreciação e falta de liquidez no mercado. Nesse
momento, a crise está instalada.
Os organismos internacionais sempre
cobraram de outras economias ações mais duras no controle sobre o crédito
fornecido pelos bancos e instituições financeiras, de tal forma a evitar que os
chamados “créditos podres”, pudessem contaminar toda a economia. Foi assim na
crise da Ásia em 1997, com as ações do FMI e na Rússia em 1998 com a ação dos
hedge funds. Apesar dos alertas, as crises sempre vieram, seguidas de reformas.
Esperamos que ocorra regras mais rígidas no controle do crédito imobiliário nos
EUA para o futuro. Roupa suja se lava em casa.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
27/08/2007
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