segunda-feira, 28 de julho de 2014

QUAL O NÍVEL ÓTIMO DE RESERVAS?

A crise financeira que atingiu os países asiáticos e se alastrou em outros continentes em meados da década de 1990, parece ter aumentado o conservadorismo de algumas autoridades monetárias naquela região. De um cenário de baixas reservas internacionais, desde então diversos países asiáticos iniciaram um rápido processo de acúmulo de reservas, na ânsia de eliminar os riscos de novos desequilíbrios em suas economias decorrentes de pioras no cenário financeiro mundial.
Porém, a conjuntura se modificou. O PIB mundial experimentou um ciclo positivo de crescimento sem precedentes na história econômica, e que já dura mais de cinco anos. Além disso, as perspectivas são de manutenção desse ciclo para, no mínimo mais dois anos, mesmo que com tendência de desaceleração. Além disso, vários países adotaram regimes de taxa de câmbio flutuante, o que elimina os riscos de se ter baixas reservas, e a liquidez de capitais no cenário internacional é maior. Mesmo assim, os países do leste asiático mantêm suas reservas elevadas. Do total de US$ 2,7 trilhões de reservas em posse dos países emergentes, cerca de US$ 1,7 trilhão pertencem aos países emergentes da Ásia. Somente a China têm US$ 821 bilhões em reservas.

Com a sobra de recursos em caixa, vários países estão contratando agências independentes e administradores externos para diversificar seus investimentos, migrando para ativos com maior retorno, mas que, em contrapartida, possuem menor liquidez e oferecem maiores riscos. Da mesma forma, o debate público se intensificou em torno do tema, na medida em que tem se verificado, em alguns países, uma prática obscura na administração dessas reservas. Esse cenário nos remete a uma questão importante: qual é o nível ideal de reservas?
O nível ideal de reservas é aquele que mantém a liquidez da moeda estrangeira, e reduz a vulnerabilidade do país a choques externos. Vale destacar que existem várias formas de se medir esse nível, algumas usadas como “regra de bolso” por analistas, outras presentes na literatura econômica da área.
A quantidade de meses de importação que as reservas permitem pagar, pode ser considerada como um dos indicadores de mercado mais utilizados. Nesse caso, criou-se como benchmark a manutenção de pouco mais de três meses de importações em reserva no Banco Central. Atualmente, a média do total dos países emergentes está em 5,1 meses de importação. Para os emergentes da Ásia, essa média cai para 3,8 meses. Porém, na China e na Coréia estão em 13,3 e 7,8 meses, respectivamente.
Um conceito de nível de reservas adequadas está relacionado ao motivo precaução.  Ou seja, a quantidade que permita criar um seguro contra uma saída de capitais do país em um cenário de perda de acesso ao mercado financeiro internacional. Alguns trabalhos empíricos usam a razão reservas sobre dívida externa de curto prazo como um indicador antecedente de crises. Mesmo assim, não há uma regra sobre o resultado ideal. No período de 1970 a 1995, as estimativas eram de que, por exemplo, a razão ótima para a Indonésia era de 0,51, ou seja, reservas que correspondiam à metade do total de dívida de curto prazo. Para o mesmo período, essa razão era de 1,8 para a Malásia, o que revela a dificuldade em se padronizar esse indicador. Em todo caso, no cenário atual, a razão de reservas sobre as dívidas de curto prazo para a média dos países emergentes está em 3,5, valor esse que pode ser considerado elevado. Na China, essa razão chega a 13,4, ou seja, o nível de reservas na China é 13 vezes superior à sua dívida externa de curto prazo. Considerando nove países da OCDE, a média é uma razão de 1,8. Dois motivos explicam esses resultados. Em primeiro lugar o elevado nível de reservas nesses países e, em segundo lugar, a redução das dívidas de curto prazo nos países emergentes, na esteira de uma maior liquidez no cenário internacional.
Uma segunda medida que pode ser utilizada para sinalizar o nível ideal de reservas, é a razão do estoque de reservas sobre o M2. O M2 é uma medida utilizada para caracterizar o estoque de meios monetários na economia. Sendo assim, quanto maior for essa razão, maior deveria ser a segurança financeira na eventual procura dos agentes internos por moeda estrangeira. Na média dos países emergentes, essa razão está em 33%. Ou seja, as reservas representam 33% do total do M2. A título de ilustração, durante a crise asiática, a Indonésia, a Tailândia e a Coréia apresentavam uma razão que oscilava entre 18% e 28%. Atualmente a média dos países emergentes da Ásia está em 32%, ao passo que a China apresenta uma razão menor, de 22%. Nos países da OCDE, que oferecem menores riscos, essa média é de 7,5%. 
A despeito de qual o melhor indicador a ser utilizado para caracterizar o nível ótimo de reservas, as estimativas que consideram as questões de liquidez, risco, vulnerabilidade e fundamentos macroeconômicos sinalizam que, atualmente, haveria um excesso de reservas nos países asiáticos que é da ordem de US$ 800 bilhões. Como não há perspectiva de que esse ciclo seja rompido no curto prazo, sob pena de desestabilizar o cenário financeiro mundial, devemos ter a continuidade do acúmulo de reservas nos países emergentes, e a sinalização de menores riscos de crise financeira no médio prazo.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 11/12/2006

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