A crise
financeira que atingiu os países asiáticos e se alastrou em outros continentes
em meados da década de 1990, parece ter aumentado o conservadorismo de algumas
autoridades monetárias naquela região. De um cenário de baixas reservas
internacionais, desde então diversos países asiáticos iniciaram um rápido
processo de acúmulo de reservas, na ânsia de eliminar os riscos de novos
desequilíbrios em suas economias decorrentes de pioras no cenário financeiro
mundial.
Porém, a
conjuntura se modificou. O PIB mundial experimentou um ciclo positivo de
crescimento sem precedentes na história econômica, e que já dura mais de cinco
anos. Além disso, as perspectivas são de manutenção desse ciclo para, no mínimo
mais dois anos, mesmo que com tendência de desaceleração. Além disso, vários
países adotaram regimes de taxa de câmbio flutuante, o que elimina os riscos de
se ter baixas reservas, e a liquidez de capitais no cenário internacional é
maior. Mesmo assim, os países do leste asiático mantêm suas reservas elevadas.
Do total de US$ 2,7 trilhões de reservas em posse dos países emergentes, cerca
de US$ 1,7 trilhão pertencem aos países emergentes da Ásia. Somente a China têm
US$ 821 bilhões em reservas.
Com a sobra de
recursos em caixa, vários países estão contratando agências independentes e
administradores externos para diversificar seus investimentos, migrando para
ativos com maior retorno, mas que, em contrapartida, possuem menor liquidez e
oferecem maiores riscos. Da mesma forma, o debate público se intensificou em
torno do tema, na medida em que tem se verificado, em alguns países, uma
prática obscura na administração dessas reservas. Esse cenário nos remete a uma
questão importante: qual é o nível ideal de reservas?
O nível ideal
de reservas é aquele que mantém a liquidez da moeda estrangeira, e reduz a
vulnerabilidade do país a choques externos. Vale destacar que existem várias
formas de se medir esse nível, algumas usadas como “regra de bolso” por
analistas, outras presentes na literatura econômica da área.
A quantidade de
meses de importação que as reservas permitem pagar, pode ser considerada como
um dos indicadores de mercado mais utilizados. Nesse caso, criou-se como benchmark a manutenção de pouco mais de
três meses de importações em reserva no Banco Central. Atualmente, a média do
total dos países emergentes está em 5,1 meses de importação. Para os emergentes
da Ásia, essa média cai para 3,8 meses. Porém, na China e na Coréia estão em
13,3 e 7,8 meses, respectivamente.
Um conceito de
nível de reservas adequadas está relacionado ao motivo precaução. Ou seja, a quantidade que permita criar um
seguro contra uma saída de capitais do país em um cenário de perda de acesso ao
mercado financeiro internacional. Alguns trabalhos empíricos usam a razão
reservas sobre dívida externa de curto prazo como um indicador antecedente de
crises. Mesmo assim, não há uma regra sobre o resultado ideal. No período de
1970 a 1995, as estimativas eram de que, por exemplo, a razão ótima para a
Indonésia era de 0,51, ou seja, reservas que correspondiam à metade do total de
dívida de curto prazo. Para o mesmo período, essa razão era de 1,8 para a
Malásia, o que revela a dificuldade em se padronizar esse indicador. Em todo caso,
no cenário atual, a razão de reservas sobre as dívidas de curto prazo para a
média dos países emergentes está em 3,5, valor esse que pode ser considerado
elevado. Na China, essa razão chega a 13,4, ou seja, o nível de reservas na
China é 13 vezes superior à sua dívida externa de curto prazo. Considerando
nove países da OCDE, a média é uma razão de 1,8. Dois motivos explicam esses
resultados. Em primeiro lugar o elevado nível de reservas nesses países e, em
segundo lugar, a redução das dívidas de curto prazo nos países emergentes, na
esteira de uma maior liquidez no cenário internacional.
Uma segunda
medida que pode ser utilizada para sinalizar o nível ideal de reservas, é a
razão do estoque de reservas sobre o M2. O M2 é uma medida utilizada para caracterizar
o estoque de meios monetários na economia. Sendo assim, quanto maior for essa
razão, maior deveria ser a segurança financeira na eventual procura dos agentes
internos por moeda estrangeira. Na média dos países emergentes, essa razão está
em 33%. Ou seja, as reservas representam 33% do total do M2. A título de
ilustração, durante a crise asiática, a Indonésia, a Tailândia e a Coréia
apresentavam uma razão que oscilava entre 18% e 28%. Atualmente a média dos
países emergentes da Ásia está em 32%, ao passo que a China apresenta uma razão
menor, de 22%. Nos países da OCDE, que oferecem menores riscos, essa média é de
7,5%.
A despeito de qual o melhor
indicador a ser utilizado para caracterizar o nível ótimo de reservas, as
estimativas que consideram as questões de liquidez, risco, vulnerabilidade e
fundamentos macroeconômicos sinalizam que, atualmente, haveria um excesso de
reservas nos países asiáticos que é da ordem de US$ 800 bilhões. Como não há
perspectiva de que esse ciclo seja rompido no curto prazo, sob pena de
desestabilizar o cenário financeiro mundial, devemos ter a continuidade do
acúmulo de reservas nos países emergentes, e a sinalização de menores riscos de
crise financeira no médio prazo.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
11/12/2006
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