segunda-feira, 28 de julho de 2014

ATÉ ONDE OS DADOS ECONÔMICOS DA CHINA SÃO CONFIÁVEIS?

O rápido crescimento econômico da China nas duas últimas décadas levou pesquisadores e analistas internacionais a uma corrida em direção a um banco de dados que pudesse explicar esse fenômeno e, com isso, elaborar diagnósticos e previsões que norteassem decisões de investimento. Nesse período, o governo Chinês conseguiu melhorar substancialmente as informações referentes ao desempenho do país, tanto no que diz respeito à segmentação setorial e regional, quanto ao acesso dessas por parte do público. Mas, é importante destacar que ainda existem falhas relacionadas tanto ao “timming” das divulgações quanto a consolidação de bancos de dados confiáveis.
No primeiro caso, muitas informações que deveriam possuir periodicidade mensal, e divulgadas com uma defasagem máxima de 60 dias, ainda são trimestrais ou semestrais, e não estão disponíveis na mesma velocidade que é feita em outras economias. No que diz respeito à confiabilidade dos dados, há diversas variáveis macroeconômicas que apresentam deficiências, como é o caso do investimento.

Ressalta-se que essa tem sido a variável mais importante no processo de crescimento econômico do país nos últimos anos, a ponto de diversos relatórios destacarem os potenciais riscos que o elevado nível de investimento no país poderia trazer para o equilíbrio econômico mundial.
Várias publicações apontam o investimento na China situa-se em torno de 45% do PIB, e que cresce a uma taxa de 20 a 30% ao ano. Nada mal para um país que necessita criar as condições para que 800 milhões de pessoas possam participar das vantagens do mercado. Porém, essa é uma taxa de investimento muito elevada, mesmo para os padrões da China, e que pode resultar em um desequilíbrio futuro na oferta e demanda. Além disso, o excessivo investimento pode reduzir de forma substancial a taxa de retorno do capital no país, deprimindo ainda mais o lucro das empresas e as intenções de novos investimentos. Relatórios internacionais destacam que tal resultado poderia desencadear uma seqüência de eventos negativos sobre a economia mundial com potencial de arrastar inclusive as economias desenvolvidas.
Entretanto, observa-se algumas inconsistências estatísticas que podem invalidar esse diagnóstico. Se esses números fossem reais, somente o investimento seria responsável por um crescimento do PIB real na China de 9 a 13% ao ano. Acontece que, além do investimento, outras variáveis também compõem o PIB, como o consumo privado, o consumo do governo e o saldo da balança comercial. Como se sabe, a China tem crescido a uma taxa de 9% ao ano. Considerando os números de investimento como certos, então deveríamos concluir que o consumo das famílias, o consumo do governo e a balança comercial deveriam apresentar resultados nulos. Essa não parece ser a realidade atual, tendo em vista o rápido crescimento do mercado interno via consolidação de uma classe média, o elevado gasto do governo, em especial no setor de infra-estrutura e também o superávit comercial que o país tem com o resto do mundo, observado nos últimos anos.
Outro indício de problema estatístico pode ser evidenciado quando se faz uso de uma importante identidade econômica, que diz que a poupança interna deve ser igual ao investimento na economia mais o total de poupança externa utilizado. Sendo assim, dado que a poupança externa na China é da ordem de 7% do PIB, somando esse valor à participação do investimento divulgada pelo governo (45%), então a poupança interna deveria ser de mais de 50%. Porém, todos os estudos feitos sobre a economia da China apontam um nível de poupança, no máximo, da ordem de 40%. Novamente, nota-se que há uma super-estimação da taxa de investimento do país. De acordo com analistas, que recalcularam essa taxa, o melhor a se considerar é que o investimento tenha uma participação de 36% do PIB (no Brasil está em 20%).
Outro grande problema apontado tem sido o cálculo da taxa de inflação. Apesar da elevação do preço das commodities que se observou no mundo nos últimos anos, o índice de preços na China cresceu apenas 2,2% em 2003 e somente 1% no primeiro semestre de 2006. Destaca-se que esses índices baixos de inflação contribuem para potencializar os efeitos da taxa real de investimento, que desconta os efeitos inflacionários.
Apesar da evidente falha estatística nos dados da China, que prejudica uma análise técnica mais detalhada, a boa notícia é que, fazendo as correções necessárias, então parece que o país ainda tem espaço para continuar a crescer calcado em uma elevada taxa de investimento. E isso deve ocorrer nos próximos anos, em grande medida, em função do crescimento da demanda por urbanização. Com uma parcela ainda grande de pessoas migrando do campo para as cidades, haverá a necessidade de novos investimentos em projetos relacionados ao setor habitacional e também de infra-estrutura, como energia, rede de água e esgoto. 
Como pode ser visto, apesar das estatísticas apontarem que o país figura em uma zona perigosa de elevado investimento, o mais correto é afirmar que ainda existe potencial para que a China continue a crescer nos próximos anos, mantendo ou até ampliando o nível de investimento.

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 20/11/2006


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