terça-feira, 29 de julho de 2014

PIB: ESTOU MAIS RICO! OU É O GOVERNO?

A revisão da metodologia de cálculo do PIB – Produto Interno Bruto representou muito mais do que uma melhora da coleta e processamento dos dados que retratam a realidade da economia brasileira. A partir do momento em que passaram a ser utilizadas as pesquisas anuais do IBGE, feitas para a indústria, comércio, construção civil, gastos das famílias e situação do domicílio das mesmas, e também o uso de informações constantes no IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), a estimativa do PIB do Brasil ganha em qualidade, mas às expensas de maior prazo para divulgação dos dados definitivos.
O resultado final, largamente anunciado, foi um aumento da taxa de crescimento média dos últimos anos, em especial no período de 2002-2006. Seria como se os números nos informassem que ficamos mais ricos do que imaginávamos. A despeito dos resultados estatísticos, vale destacar os impactos positivos que essas re-estimativas produziram sobre outros indicadores da economia. O mais importante resultado está na queda da relação dívida líquida/PIB. Com isso, investidores e o próprio governo descobriram que, mesmo sendo ainda a dívida elevada em termos absolutos, pouco mais de R$ 1 trilhão, ela é menor diante da riqueza produzida no país em um ano.

 Dessa forma, conclui-se que o superávit primário, como percentual do PIB, que seria necessário para reduzir a relação dívida/PIB, é menor. Uma conclusão importante para decisões sobre a política monetária e fiscal, e também para as decisões de investimento, em especial de investidores externos. Sendo assim, a se manter a meta de superávit primário sobre o PIB de 4,25% para os próximos quatro anos, especula-se que o Brasil possa atingir a avaliação de “investment grade”, mais cedo do que se imaginava. Motivos suficientes para causar euforia.
Porém, essa argumentação está embasada apenas na análise das estatísticas. Nos últimos anos, as agências internacionais que fazem essa classificação de risco passaram a incluir outras variáveis para avaliar os países. Dentre essas, as questões estruturais, que contemplam o setor previdenciário, sistema tributário e o mercado de trabalho. E, como se sabe, isso não é feito por uma mudança metodológica.  Mesmo assim, muito se comemorou os novos números de crescimento mais acentuado.
Sem querer acabar com a festa, essa é uma visão econômica míope do País e uma avaliação mais detalhada dos resultados revelam na verdade, uma piora na nossa estrutura produtiva. Comparando com as estatísticas anteriores, a nova metodologia revela que a taxa de investimento no Brasil é menor do que acreditávamos, o que nos coloca em um patamar bem abaixo do verificado pelos nossos concorrentes diretos no cenário internacional. Vale destacar que essa é uma conseqüência de uma menor taxa de poupança interna. O cenário nacional só não se deteriorou diante da menor poupança interna porque a conjuntura internacional, com a elevada liquidez de capitais, contribuiu de forma positiva. Ou seja, há poupança externa para complementar os investimentos. E o maior vilão, como mostram os dados do IBGE, é o próprio setor público, que continua a avançar sobre a disponibilidade de poupança do setor privado. Esse poupa, e aquele absorve uma parte dessa poupança para financiar seus gastos, seja correntes, seja com juros.
Seguindo a teoria econômica e também o desempenho histórico de outros países, sabemos que quanto maior for a taxa de poupança, maior será o investimento. Sendo assim, com a revisão que colocou para baixo a taxa de poupança no Brasil, podemos concluir que o País está mais distante do tão sonhado cenário de crescimento de 5% ou mais, ao ano, do que imaginávamos. Não há como sustentar no médio prazo esse nível de crescimento somente com a expansão da demanda. É necessário que os investimentos produtivos acompanhem essa evolução, sob pena do Banco Central promover novos aumentos de juros para controlar o  excesso de consumo, interrompendo pressões inflacionárias.
 Tudo bem, mas estamos crescendo mais do que se imaginava. Novamente uma afirmação que não interpreta a nova metodologia de maneira mais minuciosa. Como se sabe, o cálculo do PIB contempla os impostos que são pagos sobre a produção. Assim, se aumenta a arrecadação de IPI e outros impostos que incidem sobre a produção, por exemplo, então pode-se esperar haja uma contribuição positiva destes para o valor final do PIB. Na revisão feita, o IBGE encontrou que, em todos os anos analisados (2000 a 2006) o total de impostos que incidem sobre a produção aumentou em relação ao valor que se tinha calculado anteriormente. Conclusão óbvia: estamos pagando mais impostos. Conclusão menos óbvia e não divulgada: boa parte do crescimento do PIB, tanto em valor quanto em taxa percentual, deve-se ao maior nível de impostos. Na metodologia anterior, os impostos sobre os produtos representavam 11% do PIB total. Agora, representam 14%. Isso representa cerca de R$ 104 bilhões a mais.
Não há dúvida que a nova metodologia representa uma melhora em termos de qualidade e transparência dos dados e na relação entre os agentes econômicos no Brasil. Mas também revela uma piora na estrutura de produção, com o setor público tirando espaço do setor privado. Os novos dados não revelam que o brasileiro ficou mais rico, mas sim que o governo continua a avançar sobre a riqueza produzida no País.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 09/04/2007

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