O sucesso do modelo Chinês em apresentar um rápido crescimento
econômico nos últimos vinte anos pode ser explicado, em parte, pelo elevado
investimento para o período. Ao contrário do que muitos imaginam, a
participação de capital estrangeiro nesse cenário tem sido pequena, sendo
grande parte do investimento financiado com recursos domésticos, que encontra
na elevada taxa de poupança interna, 41% do PIB em média para o período de
análise, seu principal sustentáculo. As empresas de propriedade do Estado
tiveram elevados lucros nos últimos anos com os maiores preços das commodities
no mercado internacional e, como não pagam dividendo para o governo, acabam por
reinvestir esses recursos na economia. O segundo grande foco de origem dos recursos
investidos na China são os empréstimos dos bancos domésticos, seja via fundos
de investimento ou então em empréstimos individuais, em um processo que tem
gerado grandes distorções estruturais na economia. Nesse cenário, um dos mais
importantes pilares de sustentação do crescimento do país e que oferecia
elevados riscos de colapso, passou por um recente processo de reformulação que
ainda não está completo, o sistema financeiro.
A divisão dos ativos financeiros na economia da China é
completamente assimétrica, com o governo tendo uma forte participação nesse
mercado, gerenciando, de forma direta ou indireta, quase todos os bancos
importantes do país, deixando para aqueles de capital estrangeiro uma pequena
participação, cerca de 2% do total dos ativos. Vale ressaltar que, além da
forte participação do setor público no sistema financeiro, também há outra
grande distorção na economia, que é a forte concentração das operações em
apenas quatro grandes instituições: o Industrial and Commercial Bank of China
(o maior); o Bank of China; o China Construction Bank e o Agricultural Bank of
China. Juntos eles detêm cerca de 60% de todos os ativos do país.
Apesar de quase duas décadas de tentativas de reformas no
sistema bancário, até então os bancos comerciais públicos, denominados de SCB,
ainda padeciam de má gestão dos ativos de créditos, em especial aqueles
recursos que eram destinados para as empresas de propriedade do Estado, em um
exemplo claro de má alocação de recursos públicos. A mais recente ação no sentido
de melhorar a saúde do sistema financeiro público ocorreu em 2003, com a
introdução de mudanças na estrutura legal, de governança coorporativa e
administração de risco, cujo objetivo tem sido preparar essas instituições para
o aumento da concorrência que deverá ocorrer já a partir do final de 2006, com
a abertura desse mercado para os bancos estrangeiros. Além das mudanças de
gestão, já foram destinados cerca de US$ 45 bilhões para saneamento dos ativos
e estão previstos outros US$ 80 bilhões para os próximos dois anos, valor que
deve chegar a 6% do PIB. A título de ilustração de outra distorção que ocorre
no setor público financeiro na China, a exemplo do Brasil, é a grande
quantidade de funcionários no sistema. Somente os quatro maiores bancos do país
empregam 1,3 milhões de pessoas.
É importante destacar que, nesse processo de reestruturação,
estão sendo ofertadas ações de bancos públicos no mercado, porém a participação
de acionistas de capital estrangeiro no total de ativos dos bancos está
limitada a 20%. A avaliação do recente processo de reforma no sistema bancário
foi analisada por diversos autores, com destaque para a pesquisa realizada por
Podpiera(2006). Segundo o autor um dos maiores objetivos da reforma do sistema
bancário na China, que tem conseguido transferir tecnologia de empresas
estrangeiras na área de gestão, é reduzir a participação dos empréstimos sem
execução, denominados de NPL (non-performing loans), os conhecidos “empréstimos
podres”. Nos últimos anos, boa parte dos investimentos feitos na China foram
provenientes de empréstimos do sistema financeiro que não adotavam as melhores
práticas de alocação e gestão dos ativos recomendadas no acordo da Basiléia.
Além disso, os bancos ficaram excessivamente alocados em poucos setores, como a
construção civil, siderurgia e produção de cimento e alumínio.
As reformas iniciadas em 2003 já produziram os efeitos
positivos desejados sobre o sistema financeiro, em especial com a redução da
exposição dos bancos a créditos sem execução, o que contribui para reduzir o
risco sistêmico. Apesar dos avanços, é necessário acelerar o processo de
transformação do sistema financeiro para que o mesmo se adapte a uma nova
realidade no mercado chinês, como a expansão do crédito ao consumidor e o
controle do risco. A abertura do mercado a bancos estrangeiros, prevista para o
final de 2006, é vista como positiva mas, a limitação da participação dessas
instituições no capital total dos bancos deve ser reavaliada. Com a reforma do
sistema bancário, a China estará contribuindo para diminuir a probabilidade de
uma crise financeira que causaria efeitos danosos não apenas para as economias
da região, mas também aos demais países do mundo. Além disso, estar-se-á
criando as condições para manter a oferta de recursos para o investimento
necessários para consolidar o crescimento nos próximos anos.
Fonte: Podpiera,
R. Progress in China ’s
Banking Sector Reform: Has Bank Behavior Changed? IMF Working Paper, WP/06/71,
2006.
Publicado
no Informe Econômico/FIERGS 03/04/2006
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