domingo, 27 de julho de 2014

O PROES DA CHINA


       O sucesso do modelo Chinês em apresentar um rápido crescimento econômico nos últimos vinte anos pode ser explicado, em parte, pelo elevado investimento para o período. Ao contrário do que muitos imaginam, a participação de capital estrangeiro nesse cenário tem sido pequena, sendo grande parte do investimento financiado com recursos domésticos, que encontra na elevada taxa de poupança interna, 41% do PIB em média para o período de análise, seu principal sustentáculo. As empresas de propriedade do Estado tiveram elevados lucros nos últimos anos com os maiores preços das commodities no mercado internacional e, como não pagam dividendo para o governo, acabam por reinvestir esses recursos na economia. O segundo grande foco de origem dos recursos investidos na China são os empréstimos dos bancos domésticos, seja via fundos de investimento ou então em empréstimos individuais, em um processo que tem gerado grandes distorções estruturais na economia. Nesse cenário, um dos mais importantes pilares de sustentação do crescimento do país e que oferecia elevados riscos de colapso, passou por um recente processo de reformulação que ainda não está completo, o sistema financeiro.
       A divisão dos ativos financeiros na economia da China é completamente assimétrica, com o governo tendo uma forte participação nesse mercado, gerenciando, de forma direta ou indireta, quase todos os bancos importantes do país, deixando para aqueles de capital estrangeiro uma pequena participação, cerca de 2% do total dos ativos. Vale ressaltar que, além da forte participação do setor público no sistema financeiro, também há outra grande distorção na economia, que é a forte concentração das operações em apenas quatro grandes instituições: o Industrial and Commercial Bank of China (o maior); o Bank of China; o China Construction Bank e o Agricultural Bank of China. Juntos eles detêm cerca de 60% de todos os ativos do país.
       Apesar de quase duas décadas de tentativas de reformas no sistema bancário, até então os bancos comerciais públicos, denominados de SCB, ainda padeciam de má gestão dos ativos de créditos, em especial aqueles recursos que eram destinados para as empresas de propriedade do Estado, em um exemplo claro de má alocação de recursos públicos. A mais recente ação no sentido de melhorar a saúde do sistema financeiro público ocorreu em 2003, com a introdução de mudanças na estrutura legal, de governança coorporativa e administração de risco, cujo objetivo tem sido preparar essas instituições para o aumento da concorrência que deverá ocorrer já a partir do final de 2006, com a abertura desse mercado para os bancos estrangeiros. Além das mudanças de gestão, já foram destinados cerca de US$ 45 bilhões para saneamento dos ativos e estão previstos outros US$ 80 bilhões para os próximos dois anos, valor que deve chegar a 6% do PIB. A título de ilustração de outra distorção que ocorre no setor público financeiro na China, a exemplo do Brasil, é a grande quantidade de funcionários no sistema. Somente os quatro maiores bancos do país empregam 1,3 milhões de pessoas.
       É importante destacar que, nesse processo de reestruturação, estão sendo ofertadas ações de bancos públicos no mercado, porém a participação de acionistas de capital estrangeiro no total de ativos dos bancos está limitada a 20%. A avaliação do recente processo de reforma no sistema bancário foi analisada por diversos autores, com destaque para a pesquisa realizada por Podpiera(2006). Segundo o autor um dos maiores objetivos da reforma do sistema bancário na China, que tem conseguido transferir tecnologia de empresas estrangeiras na área de gestão, é reduzir a participação dos empréstimos sem execução, denominados de NPL (non-performing loans), os conhecidos “empréstimos podres”. Nos últimos anos, boa parte dos investimentos feitos na China foram provenientes de empréstimos do sistema financeiro que não adotavam as melhores práticas de alocação e gestão dos ativos recomendadas no acordo da Basiléia. Além disso, os bancos ficaram excessivamente alocados em poucos setores, como a construção civil, siderurgia e produção de cimento e alumínio.
       As reformas iniciadas em 2003 já produziram os efeitos positivos desejados sobre o sistema financeiro, em especial com a redução da exposição dos bancos a créditos sem execução, o que contribui para reduzir o risco sistêmico. Apesar dos avanços, é necessário acelerar o processo de transformação do sistema financeiro para que o mesmo se adapte a uma nova realidade no mercado chinês, como a expansão do crédito ao consumidor e o controle do risco. A abertura do mercado a bancos estrangeiros, prevista para o final de 2006, é vista como positiva mas, a limitação da participação dessas instituições no capital total dos bancos deve ser reavaliada. Com a reforma do sistema bancário, a China estará contribuindo para diminuir a probabilidade de uma crise financeira que causaria efeitos danosos não apenas para as economias da região, mas também aos demais países do mundo. Além disso, estar-se-á criando as condições para manter a oferta de recursos para o investimento necessários para consolidar o crescimento nos próximos anos.

Fonte: Podpiera, R. Progress in China’s Banking Sector Reform: Has Bank Behavior Changed? IMF Working Paper, WP/06/71, 2006.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 03/04/2006

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