domingo, 27 de julho de 2014

A LIQUIDEZ INTERNACIONAL E O AJUSTE DA DÍVIDA DOS EMERGENTES


     Desde a crise asiática, no final de 1997, ocorreu uma melhora significativa na performance macroeconômica de vários países emergentes. Boa parte desse processo pode ser atribuída às mudanças de política econômica, como por exemplo a adoção de uma taxa de câmbio flutuante, a rigidez na política fiscal, a melhora na credibilidade no combate à inflação, os ajustes na conta corrente e um acúmulo crescente de reservas. Por outro lado, o atual ciclo de prosperidade econômica que o mundo passa, com a elevada liquidez de capitais e o aumento do preço de diversas commodities internacionais, permitiu que esses países encontrassem maiores facilidades nesse processo de ajuste.
Aproveitando essa janela de mercado, vários emergentes, inclusive o Brasil, iniciaram um processo de reestruturação de suas dívidas soberanas com o intuito de reduzirem a exposição a diversos riscos de mercado. Como exemplo, cita-se o risco de taxa de câmbio, com a redução da participação de títulos atrelados a moedas externas no total da dívida (em especial na Tailândia, México, Venezuela e Hungria), a menor exposição ao risco de taxa de juros, a partir da emissão de dívidas com juros fixos e, por fim, a melhora do perfil de dívida com o aumento do prazo de maturidade dos títulos que, na média dos emergentes, aumentou de oito anos em 2001 para 13 anos em 2005.
Outra estratégia importante nesse cenário foi a recompra de dívidas externas, que reduziu o valor de face dos Brady Bonds de US$ 150 bilhões (ao final de 1996), para cerca de US$ 10 bilhões em 2006. Além disso, Brasil, Colômbia, Turquia e até a Venezuela, anunciaram programas de recompra de dívida de curto-prazo e atrelada a moedas externas. Essas medidas seriam cumpridas ao longo desse ano. Por fim, tem-se o processo de emissão de dívida externa denominada em moeda local, como feito pela Colômbia em 2004 e 2005, e pelo Brasil, no ano passado.
Apesar do cenário benigno no mercado financeiro internacional, nem todas as notícias são positivas. Há um grupo de países emergentes que apresentam uma deterioração no processo de administração de suas dívidas, como a Argentina, a República Dominicana e o Uruguai e que, com isso, estão mais vulneráveis frente aos demais. A radiografia econômica desse cenário revela que o aspecto comum nesses países tem sido a combinação de uma política fiscal mais “frouxa”, com dívidas elevadas, déficit em conta corrente e a excessiva dependência de uma continuação dos preços elevados de algumas commodities.
Mesmo assim, o resultado do ajuste pode ser visualizado na classificação de risco atribuída pelas agências internacionais. Dentre todos os emergentes, o Chile, juntamente com a Coréia, são os que apresentam o melhor rating, “A”, de acordo com a Standard & Poor’s. China, Malásia, República Checa e Hungria, possuem classificação um pouco inferior, “A-“. O terceiro grupo é composto por Tailândia, Polônia e África do Sul com “BBB+”. Destaca-se que a classificação do Brasil ainda está baixa relativamente a esses países, “BB-“. A Venezuela, o país nesse grupo com a menor classificação, tem nota “B+”.
No conjunto, os países emergentes apresentam um cenário mais benigno para o investidor, seja ele interno ou então no mercado externo, comparativamente a outros períodos. É importante ressaltar que no ano de 2006 ainda deve ocorrer diversas eleições na América Latina, o que poderia resultar no que se denomina de efeito contágio da política sobre a economia. Porém, como forma de reduzir esse risco entre os países, os governos locais já anunciaram planos de pré-financiamento das dívidas que vencem em 2006. Destaque para Colômbia e México, que praticamente já captaram o total de recursos necessários para fazer frente às necessidades do ano, enquanto que para o Brasil ainda faltam cerca de US$ 1 bilhão.
Apesar do sucesso em reduzir a exposição ao risco nos últimos anos, é importante ressaltar que o cenário de elevada liquidez internacional não deverá perdurar por muito tempo, em especial diante de uma constante elevação do preço do petróleo no mercado internacional. Nesse caso, é muito importante que a combinação de uma política fiscal forte e de taxas de câmbio flutuante, concomitantemente ao processo de maior autonomia dos bancos centrais, tenha continuidade nos emergentes.
Os investidores internacionais estão atentos aos desafios que cada país terá que enfrentar para continuar a se beneficiarem desse cenário. Desenvolver um mercado de ações e, principalmente de derivativos, que permita aos investidores se protegerem de riscos; estimular os investidores institucionais internos (fundos de pensão) a participarem da composição de dívida; reduzir tributação e melhorar a legislação e supervisão do mercado. Apesar de alguns críticos imaginarem tais recomendações como parte de uma grande teoria da conspiração isso apenas se configura como uma receita de melhoria da relação entre os agentes e, portanto, da própria eficiência econômica.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 24/04/2006

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