terça-feira, 29 de julho de 2014

O CÂMBIO ESTÁ OU NÃO VALORIZADO?

Os economistas são pródigos em gerar indicadores. Havendo uma informação sobre um determinado setor, em qualquer local e para um dado período, então lá estaremos para construir indicadores que possam sinalizar o comportamento dos consumidores, das empresas, do comércio, da indústria e muitos outros. De uma maneira geral, a sociedade já se acostumou com a maioria dessas referências. Alguns índices são mais conhecidos, como é o caso da medida de inflação e do PIB, outros nem tanto. Provavelmente, poucos ouviram falar do ICEI, índice de confiança do empresário industrial. A relação entre moedas não foge a essa regra, como é o caso da taxa de câmbio. Em qualquer país há uma dúzia de indicadores que são montados a partir da cotação cambial. A justificativa é que, independentemente do grau de abertura de uma economia, seja para comércio ou então para transações financeiras, o câmbio é uma variável determinante do comportamento dos preços internos e das decisões de investimento. E quanto maior for o grau de abertura de uma economia, mais a taxa de câmbio irá refletir as relações internas e externas.

Atualmente, muito se discute no Brasil o processo de valorização do Real verificado nos últimos anos. Não vamos aqui abordar as questões relacionadas aos custos ou benefícios dessa valorização. Antes disso, é importante que se determine se realmente a nossa moeda está valorizada, e se a resposta for afirmativa, tentar medir quanto é essa valorização. Em primeiro lugar, para afirmar a magnitude de uma valorização, é necessário especificar a data base que será feita a comparação. Por exemplo, em julho de 1994, início do Plano Real, a taxa de câmbio no Brasil era de R$/US$ 0,93, ao passo que, em outubro de 2002 a média do mês foi de R$/US$ 3,80. Assim, se escolhermos como data de referência o início do Plano Real, então poderíamos dizer que o câmbio hoje se encontra desvalorizado em 113%. Por outro lado, se o ponto de comparação é out/02, aí a valorização chega a 48%. Claramente são dois extremos. A questão é que não há justificativa econômica que sustente a escolha de qualquer uma dessas datas. Portanto, temos aqui um primeiro problema a solucionar quando nos referirmos á magnitude de uma valorização da moeda: valorizada em relação a qual data?
É difícil ter unicidade de opinião sobre esse ponto. Felizmente, a literatura econômica tem sinalizações de como podemos tentar resolver essa questão, analisando a chamada taxa de câmbio de equilíbrio. Mas equilíbrio em relação a qual indicador e em relação a qual período? O termo equilíbrio em economia tem a ver com longo prazo. Na verdade, para preservar as condições iniciais de competitividade externa de um País, o câmbio hoje deve apresentar uma cotação que esteja próxima à chamada média histórica. Pequenas oscilações para cima ou para baixo são passíveis de ocorrer, mas com possibilidade de correção. Essa é a definição de câmbio de equilíbrio. Dessa forma, tanto uma cotação muito valorizada quanto uma muito desvalorizada para os padrões históricos de uma economia, seriam pontos que não servem de referência, uma vez que não correspondem ao equilíbrio. Diante disso, não isento de críticas, vamos considerar a data de dezembro/98 como a de referência.
A partir de então, devemos comparar o câmbio de hoje com o valor daquela data. Mas devemos ter o cuidado de considerar a influência de outras variáveis nessa medida. Em primeiro lugar, vamos abandonar a relação pura e simples da moeda e considerar um valor que pondere pela evolução da inflação. Tal análise se justifica pois R$ 1 de hoje não é o mesmo de R$ 1 de nove anos atrás. A medida que considera os impactos inflacionários é conhecida como taxa de câmbio real. Por esse critério, usando o IPCA e o índice de preço ao consumidor dos EUA, o câmbio hoje ainda estaria desvalorizado em 14%, e a cotação que pode assumir para igualar aquela data de referência é R$/US$ 1,74. Mas nada garante que o IPCA é o melhor indicador para deflacionar a taxa de câmbio. Sendo assim, podemos usar o IPA-DI (índice de preço no atacado), e que reflete a evolução dos preços de produtos transacionados em um elo da cadeia anterior ao consumidor. Com esse critério, o câmbio estaria valorizado em 9,4%, e deveria ter uma cotação de R$/US$ 2,19 para manter o equilíbrio com a data de referência, que é dezembro de 1998.
Podemos usar outros indicadores. Por exemplo, se a medida de taxa de câmbio real for ponderada pela produtividade da economia, então há uma valorização de 8%, e a cotação deveria ser de R$/US$ 2,18. Nesse caso, diz-se que o Brasil não está sendo produtivo o suficiente para compensar a valorização do câmbio, o que pode ser interpretado como perda de competitividade no mercado externo. Quando medimos o câmbio em relação ao salário, encontra-se que o Real está valorizado em 13%, e deveria ter uma cotação de R$/US$ 2,29. Ou seja, dada a política de reajuste salarial e de forte valorização da moeda, os salários no Brasil medidos em dólar estão valorizados, o que representa perda de competitividade externa.
Apesar da dificuldade em escolher uma data de referência para a cotação do dólar que represente o equilíbrio, podemos notar que, independentemente do indicador que se utiliza, a sinalização é clara: a taxa de câmbio hoje encontra-se valorizada. É difícil dizer o quanto, pois tal afirmação deve levar em consideração a influência de outros fatores. Porém, podemos inferir que esse cenário reduz a competitividade da economia brasileira, e sinaliza a necessidade de uma reversão da taxa de câmbio. Também é difícil dizer para quanto.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 23/07/2007

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