Em tempos de
câmbio fixo ou administrado, até uma criança poderia dizer a cotação do dia,
semana ou mês seguinte com razoável margem de acerto. Isolado dos efeitos dos
fundamentos econômicos, da elevada liquidez internacional, da queda do
risco-país, do crescimento da economia, do capital especulativo e de diversos
outros temas que assombram as previsões dos economistas, o câmbio estava lá,
seguindo sua trajetória como planejado, firme e forte. Não era necessário abrir
o jornal na página de economia, ou perder tempo escutando ou vendo noticiários
com comentários enfadonhos de profissionais do mercado, pois a cotação de amanhã
era a de hoje, mais ou menos um dado valor. E ponto.
Mas, a história
se encarregou de mostrar que esse modelo de pseudo-dolarização possuía
vulnerabilidades que, sob condições particulares, tinha o poder de
desestruturar o previsível câmbio. E justamente essas particulares brotaram no
cenário mundial na segunda metade da década passada. Os países foram
abandonando o regime de câmbio fixo, um de cada vez, passando para o
administrado e depois deixando flutuar. A partir desse momento, o câmbio virou
o assunto da moda. Todos passaram a procurar ansiosamente por revelações,
comentários, dicas ou até previsões esotéricas de como estaria o mercado nos
próximos trinta minutos. A previsibilidade de um mês deu lugar à
imprevisibilidade do minuto seguinte.
Oito anos se
passaram desde que o Brasil abandonou o sistema de bandas cambiais e, ainda
assim, os economistas erram em prever a cotação da taxa de câmbio. O valor de
amanhã ainda está relacionado com o valor de hoje, mas os fundamentos e as
variáveis econômicas passaram de coadjuvante a personagens principais. O câmbio
de amanhã não é mais apenas o valor de hoje somado a uma pequena oscilação
histórica. Agora há diversos componentes imprevisíveis, como as intervenções do
Banco Central, o fluxo de dólares pela via comercial e financeira, além dos
impactos indiretos sobre as expectativas. Um exemplo claro foi a queda do
índice da bolsa de valores no mercado acionário Chinês, que transferiu riscos
para outros mercados.
Para entender
essa lógica, é necessário aceitar que câmbio flutuante flutua. Se assim não
fosse, seria fixo ou administrado. Além disso, em economia, o termo flutuante
significa estar sob ação direta das forças de mercado. A famosa relação entre
oferta e demanda. A mesma que dita o preço dos alimentos, de imóveis, de
automóveis e de uma série de outros ativos, como ações, ouro e etc. Se isso é
verdade, e o real não pára de se valorizar frente ao dólar então, nada mais
óbvio que imaginar que a oferta de dólares é maior que a demanda. Então, vamos
tentar nomear os personagens que atuam sobre o câmbio.
Começamos pelo
lado da oferta de dólares. A economia mundial completa um ciclo de cinco anos
de forte crescimento. O total de bens e serviços exportados por todos os países
passou de US$ 7 trilhões em 2001 para cerca de US$ 17 trilhões no ano passado.
Essa movimentação comercial contribui para gerar riquezas em diversos lugares
e, com isso, uma poupança que pode ser canalizada para investimento. Nesse
caso, os emergentes são uma boa opção, ainda mais que muitos deles apresentam
performance satisfatória com as exportações. Em 1999 apenas US$ 60 bilhões
foram investidos nos países emergentes. No ano passado foram US$ 200 bilhões.
Portanto, sobram dólares nos mercados financeiros mundiais, ávidos por correr
um pouquinho de risco em troca de um retorno mais atrativo que os oferecidos
pelas taxas de juros dos países desenvolvidos.
Nesse cenário o
Brasil tem sido um grande atrativo para investidores, seja com aporte de
recursos em ações ou títulos de renda fixa – para aproveitar o diferencial de
juros – seja com investimento direto (IED). A previsão do IED para 2007 é de
US$ 20 bilhões, um recorde em tempos de ausência de privatizações. E aí se
verificam os efeitos cruzados. As maiores exportações - a gordura gerada na
balança comercial atingiu, no ano passado, US$ 45 bilhões - puxaram a economia
brasileira a partir de 2004, que por sua vez reduziu a dependência externa.
Pagamos as dívidas com investidores internacionais, e sinalizamos com
disciplina fiscal. Com isso, mais investidores querem comprar títulos
brasileiros, reduzindo o risco Brasil, e nos tornando mais atrativos. Mais
dólares vieram para o Brasil, melhorando ainda mais os indicadores do balanço
de pagamentos. E, assim, o ciclo se fecha.
E a demanda?
Bem, com a menor procura pela moeda americana no cenário mundial, o dólar vem
perdendo valor. Mas o Banco Central do Brasil poderia aumentar as reservas,
como fazem os países asiáticos, contribuindo para aumentar a demanda pelo dólar
e, com isso, reduzir a valorização do real. Correto. Nos últimos 12 meses o
Banco Central já comprou o equivalente a US$ 80 bilhões, colocando as reservas
no patamar de US$ 150 bilhões, mas não tem sido o suficiente. Os brasileiros
poderiam viajar mais ao exterior e importar mais produtos. Isso já ocorre. De
janeiro a maio os gastos com viagens internacionais estão três vezes mais
elevados que o mesmo período do ano passado, e as importações 27% mais altas.
Em resumo, o processo de reversão desse cenário só ocorrerá quando a oferta e a
demanda alcançarem o equilíbrio.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
16/07/2007
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