domingo, 27 de julho de 2014

MAIS DA CHINA....

De coadjuvante no cenário econômico internacional, a China passou a figurar como peça fundamental no jogo do crescimento mundial, em função de seu rápido crescimento nas duas últimas décadas. Apesar de a economia chinesa ter fôlego para crescer por mais de uma década a taxas próximas a 8% ao ano, o que deve contribuir para manter aquecido o fluxo comercial entre os países, há diversos elementos de caráter microeconômico que desafiam o seu governo.
Como se sabe, o atual modelo de crescimento Chinês repete, em linhas gerais, a estratégia adotada pelo Japão e Coréia do Sul no passado, ou seja, usar a demanda externa para alavancar a produção interna e, com isso, desenvolver a economia. Um exemplo claro é o incentivo tributário concedido ao setor exportador. Na média, as empresas chinesas pagam o equivalente a 17% de impostos. Porém, se é exportadora (e há uma regra que separa as exportadoras das que vendem no mercado interno), então ela só paga 5% de impostos, sendo que, além disso, outros 4 pontos percentuais podem ser usados para a compra de matérias-primas. Dessa forma, o total de impostos cai para apenas 1%.
Se por um lado esse vetor de crescimento econômico tem gerado resultados positivos, por outro, cria uma dependência excessiva do país ao desempenho das exportações. A boa prática financeira manda não colocar todos os ovos em uma única cesta. Sendo assim, um dos grandes desafios do governo chinês para os próximos anos é reduzir essa dependência externa, criando condições para que uma maior participação da demanda interna na composição do crescimento do PIB possa contrabalançar o desempenho da economia.
Mas essa não será uma tarefa fácil em um país que apresenta diversas distorções de natureza social e estrutural. No primeiro caso, o maior desafio é criar as condições para que as famílias que vivem nas regiões mais pobres tenham acesso aos bens de consumo duráveis que a costa leste do país, mais desenvolvida, já possui. Vale ressaltar que essas dificuldades sociais ficam potencializadas na medida em que o governo tem reduzido seus gastos com saúde e educação, como percentual do PIB, e não há no país um sistema previdenciário que garanta uma renda futura.
A resposta a esse cenário tem sido o aumento da poupança do trabalhador chinês, cujo objetivo é fazer frente a potenciais gastos futuros com saúde, educação dos filhos e até a aposentadoria. Com isso, o primeiro sinal dos indicadores econômicos tem sido, de um lado, a redução da renda disponível das famílias e, de outro, o aumento da poupança. À primeira vista, a conjugação desses dois eventos pode parecer estranha mas, a explicação é simples. Com a ausência do setor público no provimento de serviços de saúde e educação no presente, reduz-se a renda disponível da população, já que precisam destinar parte dos recursos pessoais para a aquisição desses bens. Como há incerteza sobre o comportamento futuro da economia, o trabalhador opta por reduzir ainda mais seu consumo presente com o aumento da poupança. Os economistas chamam esse movimento de poupança precaucional. A título de ilustração, no início da década de 1980 o consumo privado no país era de 50% do PIB, e a poupança de 35% do PIB. No ano passado, esses valores foram respectivamente de 40% e 44% do PIB. Em países mais desenvolvidos, há um maior incentivo ao consumo privado, 74% no Japão, 78% no Reino Unido e de 92% nos EUA.
Dois outros elementos chave nesse cenário tem sido o mercado de capitais e o sistema financeiro. O primeiro é pouco desenvolvido, com um número reduzido de empresas com ações lançadas na bolsa de valores (em sua grande maioria pertencentes ao setor público) e com baixa participação das famílias no mercado, o que reduz a possibilidade de aumento da renda via distribuição de dividendos. Já o sistema financeiro é excessivamente concentrado, com o Estado sendo o principal agente. Além disso, a maior parte dos empréstimos bancários são destinados para as empresas, em especial as públicas (State-owned enterprises), com pouco acesso das famílias a instrumentos de créditos que podem contribuir para diminuir suas restrições orçamentárias. Atualmente o crédito aos consumidores representa apenas 14% do total dos créditos bancários no país, contra um total de 45% no Japão e 70% na Coréia do Sul.
Outro componente importante que interfere no processo de alocação da renda das famílias entre consumo e poupança é o mercado de seguro. Na medida em que o país não apresenta um mercado de seguro desenvolvido que permita a transferência de risco entre os agentes, seja para assegurar a renda com a perda do emprego ou então um seguro de vida, há um natural aumento da taxa de poupança como forma de se precaver a futuras mudanças de cenário na economia.
Como pode ser visto, o comportamento do consumo e da poupança na China tem refletido as características institucionais básicas, o que aumenta a necessidade de reformas estruturais no país. Para garantir o crescimento econômico continuado o governo deverá incentivar o mercado de capitais, a criação de um mercado de seguro e de um sistema de previdência, reestruturar o sistema bancário (reforma desse ponto já teve início) e realocar gastos do orçamento para itens importantes como saúde e educação. Apesar de necessárias, a ausência dessas reformas não deverá impedir o crescimento do país nos próximos anos, mas a boa prática sugere a prudência.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 08/05/2006

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