De
coadjuvante no cenário econômico internacional, a China passou a figurar como
peça fundamental no jogo do crescimento mundial, em função de seu rápido
crescimento nas duas últimas décadas. Apesar de a economia chinesa ter fôlego
para crescer por mais de uma década a taxas próximas a 8% ao ano, o que deve
contribuir para manter aquecido o fluxo comercial entre os países, há diversos
elementos de caráter microeconômico que desafiam o seu governo.
Como se sabe,
o atual modelo de crescimento Chinês repete, em linhas gerais, a estratégia
adotada pelo Japão e Coréia do Sul no passado, ou seja, usar a demanda externa
para alavancar a produção interna e, com isso, desenvolver a economia. Um
exemplo claro é o incentivo tributário concedido ao setor exportador. Na média,
as empresas chinesas pagam o equivalente a 17% de impostos. Porém, se é
exportadora (e há uma regra que separa as exportadoras das que vendem no
mercado interno), então ela só paga 5% de impostos, sendo que, além disso,
outros 4 pontos percentuais podem ser usados para a compra de matérias-primas.
Dessa forma, o total de impostos cai para apenas 1%.
Se por um
lado esse vetor de crescimento econômico tem gerado resultados positivos, por
outro, cria uma dependência excessiva do país ao desempenho das exportações. A
boa prática financeira manda não colocar todos os ovos em uma única cesta.
Sendo assim, um dos grandes desafios do governo chinês para os próximos anos é
reduzir essa dependência externa, criando condições para que uma maior
participação da demanda interna na composição do crescimento do PIB possa
contrabalançar o desempenho da economia.
Mas essa não
será uma tarefa fácil em um país que apresenta diversas distorções de natureza
social e estrutural. No primeiro caso, o maior desafio é criar as condições
para que as famílias que vivem nas regiões mais pobres tenham acesso aos bens
de consumo duráveis que a costa leste do país, mais desenvolvida, já possui.
Vale ressaltar que essas dificuldades sociais ficam potencializadas na medida
em que o governo tem reduzido seus gastos com saúde e educação, como percentual
do PIB, e não há no país um sistema previdenciário que garanta uma renda
futura.
A resposta a
esse cenário tem sido o aumento da poupança do trabalhador chinês, cujo
objetivo é fazer frente a potenciais gastos futuros com saúde, educação dos
filhos e até a aposentadoria. Com isso, o primeiro sinal dos indicadores
econômicos tem sido, de um lado, a redução da renda disponível das famílias e,
de outro, o aumento da poupança. À primeira vista, a conjugação desses dois
eventos pode parecer estranha mas, a explicação é simples. Com a ausência do
setor público no provimento de serviços de saúde e educação no presente,
reduz-se a renda disponível da população, já que precisam destinar parte dos
recursos pessoais para a aquisição desses bens. Como há incerteza sobre o
comportamento futuro da economia, o trabalhador opta por reduzir ainda mais seu
consumo presente com o aumento da poupança. Os economistas chamam esse
movimento de poupança precaucional. A título de ilustração, no início da década
de 1980 o consumo privado no país era de 50% do PIB, e a poupança de 35% do
PIB. No ano passado, esses valores foram respectivamente de 40% e 44% do PIB.
Em países mais desenvolvidos, há um maior incentivo ao consumo privado, 74% no
Japão, 78% no Reino Unido e de 92% nos EUA.
Dois outros
elementos chave nesse cenário tem sido o mercado de capitais e o sistema
financeiro. O primeiro é pouco desenvolvido, com um número reduzido de empresas
com ações lançadas na bolsa de valores (em sua grande maioria pertencentes ao
setor público) e com baixa participação das famílias no mercado, o que reduz a
possibilidade de aumento da renda via distribuição de dividendos. Já o sistema
financeiro é excessivamente concentrado, com o Estado sendo o principal agente.
Além disso, a maior parte dos empréstimos bancários são destinados para as
empresas, em especial as públicas (State-owned
enterprises), com pouco acesso das famílias a instrumentos de créditos que
podem contribuir para diminuir suas restrições orçamentárias. Atualmente o
crédito aos consumidores representa apenas 14% do total dos créditos bancários
no país, contra um total de 45% no Japão e 70% na Coréia do Sul.
Outro
componente importante que interfere no processo de alocação da renda das famílias
entre consumo e poupança é o mercado de seguro. Na medida em que o país não
apresenta um mercado de seguro desenvolvido que permita a transferência de
risco entre os agentes, seja para assegurar a renda com a perda do emprego ou
então um seguro de vida, há um natural aumento da taxa de poupança como forma
de se precaver a futuras mudanças de cenário na economia.
Como pode ser visto, o
comportamento do consumo e da poupança na China tem refletido as
características institucionais básicas, o que aumenta a necessidade de reformas
estruturais no país. Para garantir o crescimento econômico continuado o governo
deverá incentivar o mercado de capitais, a criação de um mercado de seguro e de
um sistema de previdência, reestruturar o sistema bancário (reforma desse ponto
já teve início) e realocar gastos do orçamento para itens importantes como
saúde e educação. Apesar de necessárias, a ausência dessas reformas não deverá
impedir o crescimento do país nos próximos anos, mas a boa prática sugere a
prudência.
Publicado no Informe
Econômico/FIERGS 08/05/2006
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