O atual
processo de valorização da taxa de câmbio no Brasil tem ensejado uma série de
discussões sobre o papel da autoridade monetária nesse resultado. Apesar das
propostas não serem novas; intervenção no mercado de câmbio; redução mais
drástica da taxa de juros; aumento das reservas no Banco Central e mudança do
regime cambial, uma estratégia tem sido por vezes lembrada, o controle de
capitais. Nesse caso, uma olhada sobre a experiência internacional pode ajudar
na interpretação das possíveis implicações.
O Chile parece
mostrar uma perfeita sintonia de política macroeconômica, com resultados que
são refletidos nas invejosas taxas de crescimento de seu produto interno bruto
nos últimos anos. Porém, nem sempre foi assim. Nos últimos 25 anos, o país
passou por duas crises econômicas importantes, em 1982 e, mais recentemente, em
1999, momentos em que a taxa de câmbio era fixa. O mais curioso é que, no
processo de recuperação econômica presenciada entre 1990 e 1997, o fluxo de
capitais para o país foi tão intenso que o governo teve que adotar regras de
controle para a entrada de recursos (não para a saída), para tentar conter a
apreciação do peso. A retenção de uma parcela desses recursos no Banco Central
era denominada de URR (unremunerated
reserve requirement).
Essa
estratégia, assim como outras, foram utilizadas por diversos países no mundo
que mantinham taxas de câmbio fixas, para conter a oscilação de suas moedas em
um cenário de entrada de recursos. Com a crise do México e da Ásia, o cenário
financeiro internacional se modificou e, com ele, o controle de capitais no
Chile, que foi eliminado em 1998. Em setembro de 1999, o país passou a adotar o
sistema de câmbio flexível porém, reservando o direito do Banco Central de
intervir no mercado sempre que fosse necessário. Apesar dessa “autorização”,
existiram apenas dois momentos de conjuntura econômica adversa que tiveram
impactos sobre a volatilidade da taxa de câmbio, 2001 e 2002.
Destaca-se
que, nesse cenário, os riscos de contaminação da inflação aumentaram
substancialmente, exigindo da autoridade monetária uma intervenção no câmbio.
Vale destacar que as intervenções do BC chileno não foram as únicas no mundo, outros
países que adotam o regime de câmbio flexível também acabaram por intervir na
taxa de câmbio em algum momento do tempo, como foram os casos do Reino Unido,
da Suíça e até do Banco Central Europeu no ano 2000.
Não obstante,
apesar da pequena corrente de comércio e relações financeiras do Chile com o
Brasil e a Argentina, as duas intervenções estão relacionadas a crises na
região, a primeira com a Argentina e o segundo momento quando da eleição
presidencial no Brasil.
Vale destacar
que esse movimento esteve muito mais associado a um contágio do que
propriamente uma deterioração dos fundamentos da economia do país e, como tal,
teve características transitórias, o que, segundo a própria autoridade
monetária no país, justificava a intervenção. Além disso, as intervenções no
mercado de câmbio no Chile deixaram claro que a autoridade monetária não estava
perseguindo um determinado nível para a taxa de câmbio, e sim tinham como
objetivo reduzir a velocidade de depreciação da mesma e a excessiva
volatilidade da moeda, em um ambiente de relativa dificuldade financeira no
cenário internacional. Objetivo esse que foi plenamente alcançado.
O Banco
Central do Chile anunciava antecipadamente um calendário de intervenções, com
data de início e término, e o volume de recursos que seriam envolvidos. Uma
atitude sem precedentes, inclusive quando se compara com outros Bancos
Centrais, seja nos EUA, Europa ou no Japão. Essa atitude contribuiu para que a
autoridade monetária ganhasse credibilidade, o que ajudou a dissipar incertezas
nesse mercado. Observa-se, assim, que as intervenções do Banco Central
mostraram-se eficientes em um cenário de câmbio flutuante. Porém, há três
diferenças fundamentais a serem consideradas nessa análise.
A primeira
diferença diz respeito à liquidez de dólares no mercado internacional, que
contribui para reforçar a tese da eficiência de controle de capitais, dado que
esse fluxo é muito maior do que a verificada naquela época. Em 2006 estão
previstos investimentos da ordem de US$ 179 bilhões para os países emergentes,
contra apenas US$ 74 bilhões no ano 2000 e US$ 75 bilhões em 2001. Questiona-se
a eficácia dessa medida pelo fato de que o Chile tinha como foco de controle a
conta financeira e, no caso brasileiro, a fonte de valorização é, em grande medida,
a balança comercial.
Dessa forma, o controle de
capitais não teria provavelmente o efeito desejado, pois os dólares que tem
vindo para o Brasil pela conta financeira representam uma parcela pequena do
fluxo total. O terceiro ponto a destacar é que a relação reservas
cambiais/importações no Brasil é menor do que a verificada no Chile. Dessa
forma, dada as características do processo de valorização da moeda brasileira,
a intervenção para aumentar o nível de reservas parece ser uma estratégia mais
adequada, mesmo com os custos de esterilização envolvidos.
Publicado no Informe
Econômico/FIERGS 15/05/2006
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