O processo de integração econômica e financeira da
China com os demais países tomou fôlego com as reformas implementadas em 1994.
Naquele momento, as decisões tomadas contribuíram para impulsionar o setor
exportador, com a unificação do mercado de câmbio, a remoção de restrições nas
transações financeiras nas exportações e a reforma das empresas estatais,
conhecidas como SOE (state-owned
enterprises). Essa estratégia funcionou nesse período e se, por um lado,
resultou na consolidação da China como o terceiro maior país em termos de
comércio, por outro criou uma equação de difícil solução. Atualmente, há um
desequilíbrio na forma como a China cresce, e esse é um importante problema a
ser solucionado no médio prazo, sob pena de mudar o cenário crescimento.
Em linhas
gerais, o que se observou nesses últimos anos é que a orientação do crescimento
via exportações e investimento, não foi acompanhada na mesma magnitude pelo
desempenho do consumo privado. Assim, o país criou uma estrutura produtiva tal
que o crescimento na casa dos 9% só se sustenta com o atual patamar de exportações,
uma vez que o mercado interno não é capaz de absorver uma parcela significativa
da produção doméstica. Mesmo tendo colocado mais de 120 milhões de pessoas no
mercado de trabalho nos últimos 20 anos e tirado outros 400 milhões da linha de
pobreza, o país carece de mercado interno.
Mas, onde
está o risco de rompimento desse processo? Vale destacar que as duas mais
importantes fontes de recursos para os investimentos na China foram os elevados
lucros gerados nas empresas, e o crédito gerado pelo sistema financeiro. Preços
mais baixos para terra, salários, insumos, energia e controle de poluição
(praticamente não há custo), foram vetores importantes para a geração de lucros
elevados no passado. Além disso, a taxa de empréstimo bancário no país é muito
baixa relativamente a de outros países, o que contribuiu para alavancar os
empréstimos. Sendo assim, uma possível redução da demanda no mercado externo
por produtos da China, com uma desaceleração mais acentuada nas economias
desenvolvidas, pode provocar uma queda brusca do lucro, com efeito imediato
sobre o investimento, o mais importante elemento para o crescimento do país.
Portanto, exportações em patamares mais baixos pode resultar em excedente de
produção que terá, como conseqüência, a redução dos preços dos produtos
vendidos pelas empresas, tanto no mercado interno quanto externo. Nesse caso, a
lógica capitalista se aplica de forma absoluta: preços menores, lucros menores,
investimento menor e, conseqüentemente, crescimento menor.
A
distorção criada no mercado de crédito chinês via juros mais baixos, também
contribuiu para reverter a relação de custo entre capital e trabalho. Ou seja,
o custo do capital na China ficou menor que o custo do trabalho, e isso tem
como consequência uma mudança no perfil do crescimento da produção, que passou
a ser mais centrada em capital que em trabalho. Vale destacar que em muitos
países, uma taxa de crescimento do PIB da ordem de 3 a 4% ao ano, está
associada com um crescimento da ordem de 2 a 3% do emprego. Na China, a taxa de
crescimento de 10% do PIB está sendo acompanhada com uma expansão de apenas 1%
dos empregos. Por outro lado, no Brasil uma taxa de crescimento do PIB entre 2
e 4% está associada a um aumento de cerca de 3% do emprego. Portanto, como pode
ser visto, esse formato do crescimento da China contribui para gerar
desequilíbrios entre capacidade de produção e de absorção interna. E na
velocidade em que se processou nos últimos anos, deprimiu a participação do
consumo privado sobre o PIB, que hoje se situa em 40%. Em termos comparativos,
nos EUA o consumo privado representa 70% do PIB, enquanto que na Itália, na
Austrália e no Brasil é da ordem de 60%. As autoridades chinesas já manifestam
preocupação com esse quadro, e as orientações políticas estão no sentido de
equilibrar a balança do crescimento. A idéia é não deprimir o investimento, mas
criar condições para que o consumo privado cresça a taxas mais acentuadas.
Recentemente, um estudo do FMI aborda esses aspectos na China e aponta algumas
estratégias que poderiam ser adotadas pelo governo.
Em
primeiro lugar, é necessário aumentar o custo do capital, ou seja, a taxa de
juros que incide sobre os investimentos. Tal política deve ser implementada em
conjunto com a apreciação cambial e um controle mais rígido dos créditos
bancários. A segunda ação deve ser a liberalização dos preços no mercado
interno. Uma das estratégias adotadas pelo governo tem sido o controle mais
rígido sobre as questões ambientais e o aumento do preço de insumos importantes
para a indústria, como energia e gasolina. Por fim, deve ser implementada uma
reforma no sistema financeiro, permitindo uma melhor intermediação financeira,
abrindo o mercado para bancos estrangeiros e privados e implementando políticas
de controle do crédito e de risco.
O
desequilíbrio gerado na economia chinesa deve ser entendido como uma armadilha,
que ainda não foi deflagrada. Algumas medidas de correção já foram
implementadas, outras estão em estudo. Em todo caso, a continuidade do
crescimento econômico do país, e também do resto do mundo, depende do sucesso
dessas reformas.
Fonte: F&D – China ’s
rebalancing act, vol.44, nº3, sept.(2007).
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
24/09/2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário