domingo, 27 de julho de 2014

ÁSIA À FRENTE DA AMÉRICA LATINA

Na década de 1950, a América Latina apresentava indicadores macroeconômicos superiores aos verificados na região asiática: PIB per capita maior, maior investimento privado e atração de investidores estrangeiros. Porém, a região não foi capaz de ultrapassar as décadas seguintes sustentando essa performance e, hoje, os países do leste asiático reverteram esse cenário. Enquanto que o PIB per capita da América Latina chegou a encolher frente ao PIB dos EUA, nos países do leste asiático a situação foi diferente: após anos de forte crescimento econômico, o PIB per capita da região triplicou.
De acordo com a teoria do crescimento econômico, diversos fatores podem explicar as diferenças de renda entre os países; as condições iniciais, a cultura, as tradições históricas e os recursos naturais. Recentemente, a teoria econômica tem avançado para diversos outros temas importantes nessa análise, como por exemplo, o ambiente para se fazer negócios, a credibilidade das instituições, a existência de regras claras e também o nível de corrupção.
De uma forma geral, ambas as regiões apresentam recursos naturais parecidos, preservando as diferenças que possam existir entre alguns países, como por exemplo, a pequena área agricultável da China, relativamente à disponibilidade de terras com potencial agrícola no Brasil. Além disso, as tradições históricas também não parecem ser um forte candidato para explicar as diferenças de renda. No caso da cultura, podemos considerar a existência de assimetria em diversos aspectos entre os povos asiáticos e os latinos. É clara a impressão de que os asiáticos têm maior facilidade para se adaptar a novas situações de comércio e competição, procurando extrair o máximo de benefício que o sistema capitalista permite. Por outro lado, os diversos países latino americanos ainda questionam os benefícios dos acordos comerciais, do investimento privado e de um Estado menos intervencionista.
Todavia, foram os aspectos institucionais que mais prejudicaram o desempenho da região latino americana nas duas últimas décadas. Ao se analisar a histeria recente, percebe-se a dificuldade dos governantes em criarem um ambiente receptivo para os investimentos estrangeiros, seja com políticas macroeconômicas equivocadas seja pela falta de estabilidade nas “regras do jogo”. Nesse cenário, os investidores encontraram no leste asiático a oportunidade de conjugar menores custos de produção com estabilidade institucional e incentivo à produção.
É claro que a América Latina avançou em reformas importantes, como as privatizações no Brasil, Chile e México, a adoção de políticas macroeconômicas mais estáveis, como por exemplo o sistema de metas de inflação, e a intensificação dos acordos comerciais, a exemplo do Chile e do México. Entretanto, essas medidas não foram suficientes para melhorar o desempenho econômico e modificar a péssima distribuição de renda da região. Não porque são políticas equivocadas, mas sim porque não foram devidamente complementadas com a criação de regras claras de relação entre setor público e privado. Em alguns países é possível inclusive notar um retrocesso na política econômica, com a maior intervenção dos governos no mercado, recusa em aumentar os acordos comerciais com países industrializados e políticas populistas de combate à pobreza, a exemplo da Venezuela, da Bolívia e da Argentina.
  Há um fator importante a ser considerado nessa análise: a integração econômica e comercial com outros países. Enquanto a América Latina ainda discute se é bom ou não intensificar as relações comerciais com outros países, o leste Asiático avançou a passos largos em direção a uma maior abertura comercial. Em 2000, as exportações totais da América Latina representavam apenas 5,5% do total exportado no mundo, mesmo nível que o observado em 1980. Para o mesmo período, as exportações da Ásia mais do que dobraram, passando de 8% de participação para cerca de 20%. Além disso, a região asiática tem mostrado um maior nível de comércio intra-indústria, medido a partir da relação entre o comércio de mercadorias e o valor adicionado. Isso explica a crescente participação e especialização da região nas cadeias de produção globais.
A nova ordem global não deverá perdoar os países que não se ajustarem a um cenário onde a internet e a redução dos custos de transporte e de comunicação têm contribuído para aumentar a produtividade das empresas e, de tabela, a competição. Na América Latina, o Chile já entendeu o recado, assim como o México.Entretanto, parece que a cultura asiática tem se revelado mais eficaz em assimilar essa modificação, em especial em Cingapura, China e Índia. Se a América Latina, em especial o Brasil, não quiser ficar para trás nessa nova ordem mundial que tem realocado investimentos produtivos em uma escala sem precedentes, é necessário que os governos locais façam a lição de casa. É preciso  criar um ambiente mais propício para investimentos privados e alocar recursos que resultem em redução dos custos de transporte e comercialização. Esperamos que nesse ano eleitoral esse recado não seja novamente adiado, ou esquecido.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 19/06/2006

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