Diversos mitos
acompanham as discussões acerca da importância do salário mínimo no Brasil
quando da definição de reajustes, como por exemplo, seu poder de distribuição
da renda e a possibilidade de representar a criação de demanda capaz de ativar
a economia. Independente da posição técnica ou ideológica, o fato é que nesse debate
é necessário diferenciar entre o que diz a lei e o que diz o mercado. O decreto
lei que criou o salário mínimo em 1938 continha uma virtude econômica no
nascimento, na medida em que definia o mesmo como “...a remuneração capaz de
satisfazer em determinada época e região do país, as necessidades normais do
trabalhador...”. Tal definição já deixa embutida a ideia de que o salário
mínimo deveria contemplar as diferenças de rendimento no tempo e no espaço. Ou
seja, o aumento de preços ao longo do tempo deveriam constar no reajuste do
salário mínimo, para preservar o poder de compra, assim como também deveria
estar contemplada as diferenças regionais no que diz respeito às condições
necessárias para se viver. Algo que está diretamente relacionado ao perfil produtivo,
de renda, educação, cultura e clima entre as regiões do Brasil. Basta ver os
números para constatar que essas diferenças são bastante nítidas entre os
estados e regiões brasileiros. Porém, a constituição de 1988 passou a
determinar a unificação nacional do salário mínimo, potencializando os impactos
econômicos regionais. Afinal de contas, um salário mínimo em uma região com um
custo de vida elevado como na cidade de São Paulo representa muito menos poder
de compra do que o mesmo valor para uma cidade de menores dimensões e com menor
custo de vida. Apesar disso, a constituição ignorou essas particularidades.
Os mesmos erros de interpretação são cometidos
na construção de um outro referencial para o mercado, o custo da cesta básica.
Concebida com o intuito de medir o custo de vida de um trabalhador a cada mês,
de uma amostra apenas da cidade de São Paulo, o indicador do DIEESE foi
ganhando terreno ao longo desses anos na mesma velocidade em que perdeu
sustentação econômica. Atualmente o custo da cesta básica é levantado para 16
capitais, e contempla 13 produtos para cada localidade, todos esses ligados ao
item alimentação. Dada a quantidade de equívocos na sua composição e
interpretação, a análise desse indicador será feita em partes nos próximos informes.
A primeira
crítica refere-se à sua construção. Os itens que compõem a cesta básica, ou
como é tecnicamente referida, a ração essencial, foram determinados há quase 70
anos (carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, banana,
açúcar, óleo e manteiga). Difícil acreditar que uma pessoa hoje, mesmo com
todos os problemas de distribuição de renda, ainda tenha como referência
alimentar básica em quilos ou litros, a mesma composição de 70 anos. Além de
negligenciar questões básicas como a incorporação de novos produtos, o
indicador de cesta básica, tal como está, não considera a importância do valor
nutricional.
Muito mais do
que a quantidade alimentar básica, o indicador deveria medir o valor
nutricional mínimo que uma pessoa ou família deveria consumir ao mês. Uma
referência muito importante quando se trata de questões de saúde pública e
combate à desnutrição, itens constantes no desafio do milênio, programa no qual
o país está inserido. Assim, a sustentação técnica de alguns itens como o valor
de 6 kg de carne ao mês como referência na composição da cesta de um
trabalhador, é muito fraca.
Como
contraponto, podemos comparar essa quantidade com o encontrado na pesquisa
domiciliar feita pelo IBGE para caracterizar o perfil de consumo do brasileiro.
A POF – pesquisa de orçamento familiar, encontrou em 2003 que o brasileiro
consome, em média, 25,2 kg de carne de todo tipo por ano, o que representa 2,1
kg por mês. No Rio Grande do Sul esse consumo é de 3,4 kg por pessoa.
Independente se esse é o valor ideal ou não, o fato é que mesmo tendo uma
justificativa nutricional para supor que o mínimo necessário a consumir deveria
ser cerca de 6 kg/mês, não está sendo considerada a possibilidade de
diversificação de produtos que possam manter a composição nutricional.
Portanto, esse
é um forte indício de superestimação do valor da cesta básica, uma vez que
considera, somente no caso da carne, um valor bem superior à média anual do
país. Outro indício de superestimação do valor está presente no universo de referência
da pesquisa. O cálculo do DIEESE considera a quantidade para uma família, ao
passo que o IBGE para um domicílio. Acontece que em um domicílio pode residir
mais de uma família, o que é comum em classes de poder aquisitivo mais baixo.
Portanto, deve existir, ainda assim, uma diferença entre o consumo de um
domicílio e o consumo de uma família que potencializa a superestimação do
DIEESE.
Comparando
todos os demais itens constante da cesta básica com o levantamento feito pelo
IBGE, podemos constatar que, à exceção do arroz, leite e farinha todos os demais itens da cesta básica
consideram quantidades mínima necessárias acima do verificado na pesquisa do
IBGE. Por mais técnico que possa parecer o argumento, esse é um aspecto
importante a ser considerado, uma vez que, para valores de referência de
consumo maiores há um valor da cesta básica mais alto que, por conseqüência,
magnífica a visão de que o salário mínimo não é suficiente para viver.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
21/05/2007
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