domingo, 27 de julho de 2014

Ainda Bem que há superávit primário


         
          Na semana passada foram divulgados os números da política fiscal no ano de 2005, de onde pode-se constatar que o superávit primário de 4,84% do PIB por parte do setor público não foi suficiente para fazer frente ao gasto com juros, que foi de 8,13% do PIB. Dessa forma, o resultado nominal foi de 3,29% que, nesse caso, por ter sido negativo, representou uma necessidade de financiamento. A análise se assemelha ao cenário de um consumidor que gasta menos do que o seu salário mas que essa poupança é menor do que os juros que vencem de sua dívida. Como resultado, essa transforma-se em nova dívida, onde incidirá juros no futuro e se, no momento seguinte, a sua poupança também for insuficiente para pagar esses novos juros, essa irá crescer cada vez mais. É por isso que, apesar do superávit primário obtido nos últimos anos, a dívida interna continuou a crescer alimentando o descrédito de muitos com essa política. Porém, é importante ressaltar que não há mágica econômica na solução dessa equação, a não ser que a visão seja de curto prazo. Vejamos as contestações mais correntes.
Basta não pagar a dívida. Em primeiro lugar, essa se faz representar junto ao público brasileiro sob a forma de títulos indexados a diversos tipos de correção, sendo os principais selic, câmbio e índices de preços e, nesse conjunto de poupadores estão todos os investidores, independente da renda, banco ou tipo de aplicação onde estão os recursos. Dessa forma, não pagar a dívida representa que o governo não pretende honrar seus compromissos com a sociedade. Deixando de lado os aspectos contratuais, as implicações econômicas seriam perversas, com o setor público não tendo mais credibilidade no futuro para conseguir recursos emprestados ou então tendo que pagar juros maiores para compensar o risco de uma nova moratória. Essa é justamente uma das variáveis que compõem atualmente a elevada taxa de juros no Brasil, a sociedade confia pouco na instituição governo, por isso que tem preferência pela liquidez (empresta a curto prazo), e cobra um prêmio pelo risco de default (calote).
Emitir moeda e pagar parte da dívida. É verdade que o governo pode fazer isso, o que os economistas chamam de “monetizar” a dívida, porém, se por um lado respeitam-se os contratos, por outro essa estratégia estaria criando as condições para um aumento generalizado de preços. Uma injeção de moeda na economia acima do que a sociedade demanda, terá como resultado certo uma pressão nos níveis de preços. E isso não é verdade apenas no Brasil, mas em qualquer economia e em qualquer estágio de desenvolvimento. Vale destacar que controlar os agregados monetários faz parte da política de ajuste fino por parte do Banco Central. Ainda assim, mesmo que se escolha utilizar esta estratégia de forma paulatina, procurando não gerar choques, é importante ressaltar a grande dificuldade que se tem de prever o comportamento da demanda por moeda, o que potencializa o risco de erro.
Reduzir a taxa de juros de uma única vez à metade. Essa estratégia tem como resultado ou a monetização da dívida ou então o default. Se o governo escolhe pagar juros que representam a metade do que está vigente no momento de rolar essa dívida, o investidor irá, inevitavelmente comparar o rendimento dos título públicos com os privados, e irá escolher ativos que ofereçam rendimentos mais atrativos, como taxa de câmbio, debêntures, ações, CDB, ouro, imóveis e etc. Tal como a lei da oferta e demanda, a escolha do investidor terá como resultado um aumento do preço de todos os demais ativos da economia, produzindo o mesmo efeito da monetização.
Portanto, não há mágica nesse processo, e a receita é clara e bastante conhecida: o governo deve gastar menos e melhor, ou seja, os superávits primários devem continuar para não apenas reduzir a parcela de dívida sobre o PIB, mas também as taxas de juros. Desde 1998 apenas o Tesouro Nacional teve um superávit acumulado, em termos nominais, de R$ 250 bilhões. Esse é o montante equivalente de juros da dívida que estavam vencendo e foram pagos, evitando que os mesmos fossem incorporados em nova dívida. Se supormos, a título de ilustração, que o superávit primário fosse zero em cada um desses 96 meses então, para cada vencimento de juros, sem recursos em caixa para pagar, o governo deveria emitir novos títulos e incorpora os juros que estavam vencendo em nova dívida. Supondo que a selic não se modifica (na verdade deveria ser maior devido a perda de credibilidade do governo junto aos investidores com o aumento da dívida), essa nova dívida evolui pela selic. Com isso, a Dívida Líquida do Setor Público ao final de 2005 não seria de 51,6% do PIB, como anunciado, mas sim de 75,2% do PIB, cerca de R$ 450 bilhões a mais.
É desnecessário dizer que o esforço para controlar essa dívida seria muito maior do que o atual, e provavelmente a economia brasileira já teria caminhado para um cenário de inflação elevada. A se manter um crescimento de apenas 3% do PIB, inflação de 6%, juros nominais de 14% ao ano e um superávit primário de 4,25% do PIB, a DLSP poderá cair para 38% do PIB em 2010, o que abre espaço para reduções significativas na taxa de juros. Então poderemos olhar para 2005 e dizer, ainda bem que foi feito superávit primário naquele ano.

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 06/02/2006

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