É comum escutar
que os orçamentos elaborados pela União, pelos governos estaduais e pelos
municípios, são “peças de ficção”, ou seja, nunca correspondem à realidade
financeira do setor público. Tal argumentação, em um cenário de inflação
elevada, fazia todo sentido, uma vez que os valores monetários projetados para
três meses ou até por um período de tempo mais curto, perdiam a referência.
Porém, nos últimos anos essa realidade tem se modificado. Com a estabilidade de
preços, a melhora na transparência das contas públicas e com existência das
ferramentas de amparo legal era de se esperar que os orçamentos se constituíssem
no fiel retrato da realidade de um Estado.
Apesar desses
avanços, um orçamento completamente real ainda não é a regra em estados como o
Rio Grande do Sul, que carrega um déficit oculto de cerca de R$ 2 bilhões para
o ano de 2007. Vale ressaltar que tal desequilíbrio ocorre tanto pelo lado da
receita quanto pela despesa, e a alegação para manter esse déficit oculto, foi
a necessidade de apresentar um orçamento equilibrado, tal como previsto em lei,
com receitas iguais às despesas.
Nas projeções
realizadas pelo lado das receitas, é possível notar, no orçamento de 2007
aprovado pela Assembléia, diversos pontos que, em conjunto, representam uma
deficiência de cerca de R$ 1,8 bilhão. Esses se dividem em basicamente três
conjuntos: as receitas superestimadas de transferências da União, as receitas
incertas de transferências e as receitas superestimadas relativamente ao
verificado no orçamento de 2006 no estado do Rio Grande do Sul.
No primeiro caso, duas importantes
transferências constitucionais previstas no Orçamento da União não fecham em
valores com as estimativas feitas pelos técnicos que elaboraram o orçamento no
Rio Grande do Sul. Por exemplo, enquanto no orçamento da União há uma previsão
de repasse de R$ 700 milhões, a partir do Fundo de Participação dos Estados
(FPE), para o ano de 2007, no orçamento do Estado a mesma rubrica projeta R$
882 milhões. Cenário idêntico pode ser visualizado na projeção de repasse do
IPI-exportação, que no orçamento da União consta uma previsão de R$ 301 milhões
enquanto que no orçamento do RS espera-se receber R$ 400 milhões. Ou seja,
somente nesses dois itens está-se estimando uma receita adicional de cerca de
R$ 281 milhões, que carrega uma elevada dose de incerteza.
Além disso, o
orçamento do RS para 2007 prevê repasses da União da ordem de R$ 1,2 bilhão que
deveriam ser classificados como incertos, uma vez que nada garante o seu envio
para os cofres gaúchos. Por exemplo, enquanto aqui colocamos a expectativa de
receber R$ 534 milhões pela compensação referente à manutenção de estradas
federais, nada consta sobre esse item no orçamento da União. Da mesma forma a
previsão de uma operação de crédito de R$ 305 milhões para a redução dos
encargos da dívida do estado.
Por fim, tem-se
a estimativa otimista no orçamento de receitas diversas. Por exemplo, a
previsão orçamentária para o ano de 2006 era de que o governo do RS arrecadasse
R$ 176 milhões com o ICMS em dívida ativa. Porém, de janeiro a dezembro foi
realizado apenas R$ 82 milhões, uma estimativa a maior de cerca de R$ 90
milhões. Para 2007, os técnicos que elaboraram o orçamento não corrigiram esse
erro, e projetam receitas de ICMS em dívida ativa da ordem de R$ 248 milhões. A
considerar, no melhor dos cenários, a metade desse valor, ainda devem faltar
outros R$ 124 milhões.
Apesar da
dificuldade em se afirmar que essas projeções estariam erradas, há dois
aspectos a serem considerados. Em primeiro lugar, o fato de se ter errado para
cima as estimativas de anos anteriores induz a se projetar que tal
comportamento persista. E, em segundo lugar, a prudência seria a melhor
estratégia, ainda mais em um cenário de dificuldades de realização de receitas.
Pelo lado das
despesas, o item mais importante são as projeções de pagamento de encargos e
juros da dívida que, no orçamento de 2007 estão estimados em R$ 264 milhões.
Soma-se a esse valor a estimativa de pagamento da ordem de R$ 1,2 bilhão com
principal, então tem-se um total previsto de R$ 1,4 bilhão. Porém, a legislação
limita o gasto com encargos, juros e principal de dívida em 11,5% da receita
corrente líquida. Dessa forma, como o que o estado deveria pagar é muito maior
do que o limite estipulado na lei, há uma parte dessa despesa que vai sendo
“rolada” para ser paga no futuro, e que está estimada em R$ 467 milhões. Para se
ter uma ideia, o estoque de valores de dívida devidos e não pagos já monta a
cerca de R$ 6 bilhões.
A aprovação de um orçamento
que não corresponde à realidade compromete a capacidade política e financeira
do Estado. Com a prática de se criar receitas para embutir as despesas, o
orçamento está fomentando a consolidação das dificuldades estruturais que já se
arrastam há vários anos. O primeiro passo para reformar o setor público no Rio
Grande do Sul é aumentar a transparência na elaboração do orçamento e fazer com
que o mesmo deixe de ser uma “peça de ficção”, tal como seus mentores o
formatam.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
15/01/2007
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