terça-feira, 29 de julho de 2014

A BOLHA DO EMPREGO PÚBLICO

O termo “bolha” é comumente utilizado por analistas do mercado financeiro para caracterizar um cenário no qual alguns ativos apresentam valorização de preços acima de um determinado padrão médio histórico, e que não estão correspondendo aos demais fundamentos da economia. Assim foi em relação à valorização das ações na Nasdaq, nos EUA em 2001 e, mais recentemente, e especula-se sobre o preço dos imóveis na economia americana. Vale destacar que o estouro de uma “bolha” pode causar danos diversos para a economia, com magnitude dependendo da dimensão e do grau de inter-relação que possui com as demais variáveis.
Atualmente no Brasil não se especula sobre a formação de nenhuma bolha no mercado acionário, e muito menos no preço dos imóveis. Talvez possa se identificar alguma formação localizada, mas nada que possa ser generalizado e que comprometa o desempenho da economia. Porém, uma bolha silenciosa tem se formado nas entranhas do governo. É a bolha do emprego no setor público.

Sob a bandeira da necessidade de oferecer melhores serviços para a sociedade, os governos têm o hábito de “inchar’ a máquina pública. Porém, há uma grande confusão entre a medida de qualidade com quantidade. É bem verdade que determinadas posições no setor público demandam um maior efetivo, na medida em que se expande a renda ou o tamanho da população, como é o caso de professores e policiais. Mas há outras atividades que o uso da tecnologia da informação e do processamento de dados pode resultar em enormes ganhos de escala nos serviços, em especial nas instituições que não precisam se relacionar diretamente com a população, como é o caso do Banco Central. No período de 1995 a 2002, ocorreu uma redução de cerca de 121 mil servidores ativos na União, dentre executivo, legislativo e judiciário. Porém, os dados de evolução do emprego dos últimos quatro anos revelam uma realidade um pouco diferente. Foram contratados 108 mil servidores. Uma média de 27 mil por ano, ou 108 a cada dia útil. Do total de empregos “criados”, 85% (92,4 mil servidores) estão no executivo federal, justamente aquele que exerce as funções que não estão diretamente ligadas ao atendimento da população.
A despeito de qualquer argumentação sobre a recomposição de quadros, a melhora nos serviços prestados à sociedade ou simplesmente pela necessidade, a verdade é que estamos presenciando a formação de uma “bolha” de emprego no setor público federal, uma vez que a taxa de crescimento desse supera, em muito, o resultado da economia.
 Três novos Ministérios (Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Cidades e Turismo), absorveram 1,2 mil servidores. Apenas três Ministérios apresentam uma pequena redução na sua força de trabalho: Trabalho e Emprego, Defesa e Esporte. Todos os demais tiveram expansão no número de servidores, com destaque para os mais de 34 mil no Ministério da Saúde.
Porém, em termos percentuais, dois movimentos chamam a atenção. Em primeiro lugar a Advocacia Geral da União, que quadruplicou seu quadro de servidores em quatro anos, passando de 1,6 mil ao final de 2002 para 6 mil no ano passado. E, os funcionários que servem a Presidência da República, que eram 3,1 mil ao final de 2002 e hoje estão em 4,8 mil, o que representa 1,7 mil servidores a mais para atender o Palácio do Planalto. Ou seja, um aumento de 54% no efetivo.
A questão que surge é: há riscos dessa “bolha” estourar? Quais seriam seus impactos? Sim, há riscos de estourar, repercutindo sobre a capacidade de financiamento do setor público, e deve ocorrer tanto no curto quanto no longo prazo. No curto prazo, teríamos um dilema de alocação de recursos entre gasto corrente e investimento. Como se sabe, o “cobertor é curto” em especial quando se trata de finanças públicas. Se há aumento do gasto com pessoal, diante da necessidade de equilíbrio orçamentário, nada mais natural supor que o ajuste deva ocorrer em outras rubricas mais flexíveis do orçamento, como, por exemplo, o investimento. Muitos acreditam que essa política é benéfica, na medida em que os salários são gastos com consumo. Entretanto, a literatura econômica deixa claro que o efeito multiplicador dos salários é menor do que o impacto multiplicador do investimento. No longo prazo, na verdade nem tão longo assim, cerca de 20 anos, os maiores impactos estarão concentrados nos gastos com a previdência. Porquê 20 anos? Porque a idade média dos atuais servidores federais no poder executivo é de 46 anos.
A bomba relógio está sendo armada e, diante da perspectiva de manutenção do atual cenário, para acomodar essa elevação de gastos presentes e futuros, há duas estratégias que o governo deverá adotar para combater os efeitos nocivos do estouro dessa bolha: manutenção do atual nível de impostos e contribuições recolhidos da sociedade e/ou, reajustes salariais para os servidores, que não acompanhe a evolução da inflação.
Tal qual os Bancos Centrais atuam no controle de bolhas no mercado de ativos para evitar que as mesmas prejudiquem a economia, o governo deveria iniciar um processo de esvaziamento da bolha do emprego público, sob pena das discussões acerca de uma reforma tributária aportarem no aumento de carga tributária.

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 19/03/2007


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