segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A incerteza está no ar

Uma recessão nos EUA somente é registrada formalmente depois do “referendo” dos economistas do National Bureau of Economic Research (NBER). Segundo eles, “a recessão é um declínio significativo na atividade da totalidade da economia, durando mais que alguns meses, visível na produção industrial, no emprego, no PIB real, na renda real e no comércio (atacado e varejo).”A última recessão que os EUA vivenciaram foi de março a novembro de 2001. Naquele ano, o PIB americano cresceu 0,8%. No mesmo período a economia mundial cresceu 2,5%. Assim, é importante ter claro que recessão, para os americanos, não significa necessariamente desempenho negativo da economia.

Os EUA cresceram em 2007 o equivalente a 2,2%. A expectativa para 2008, segundo o FMI, é que o país cresça aproximadamente 1,5%. Isto é, depois de ter expandido fortemente por um longo período, a economia americana ensaia uma desaceleração. Entretanto, vale ressaltar que os períodos de recessão, ao longo do tempo, tem ficado cada vez mais breves e os períodos de expansão mais longos. Assim, se a desaceleração virar recessão, sua duração deverá ser menor do que fora no passado e com isso, os efeitos nas demais economias deverão perdurar menos.
 Porém, se não há consenso sobre se a economia americana entrará ou não em recessão, uma dúvida tão grande quanto essa surge a respeito da resposta asiática a essa crise na maior economia do mundo. A Ásia ocupa hoje (bem diferente do que ocorria no passado) posição fundamental na definição do crescimento mundial. É a Ásia, mais especificamente a China, com sua demanda crescente que sustenta a expansão dos preços das commodities alimentícias e de metais no mundo, que tem grande influência sobre as economias de grande parte dos emergentes exportadores desses produtos. Portanto, a sustentação do crescimento asiático frente à desaceleração americana será fundamental para ditar a dinâmica do crescimento mundial: se a Ásia sucumbir à crise, o mundo “afunda junto”. Entretanto, não é essa a aposta do FMI que, apesar das incertezas, manteve suas expectativas de crescimento para a Ásia nos mesmos patamares definidos anteriormente ao aumento da probabilidade de crise na economia americana. 
Apesar da Ásia não estar ilesa de uma recessão nos EUA que pode atingi-la por dois lados (comercial e financeira) de forma significativa, não se pode ignorar que a Ásia viu nos últimos anos no advento de seu mercado interno, a construção de uma sustentação de suas taxas de expansão. O aumento do poder de compra do consumidor asiático, associado ao gasto massivo em infra-estrutura tem tornado a região cada vez menos dependente da demanda dos países da OCDE para a definição das suas taxas de crescimento.  Isto é, apesar não estar livre de ter sua dinâmica de crescimento definida pelas exportações, o seu grau de dependência tem se reduzido significativamente. Com isso, as expectativas de crescimento mundial ainda são bastante positivas: cerca de 4,1%, segundo o FMI.
A economia brasileira também apresenta muito mais estável e sólida do que tinha em outros períodos em que a economia americana havia entrado em recessão.  Por exemplo, em 2001, o Brasil ainda vivenciava um ciclo intenso de crises iniciadas em 1994. Nesse período, a manutenção do Plano Real se via “à prova” a todo momento, a volatilidade financeira era intensa, as reservas internacionais eram baixíssimas (comparadas com atualmente) e os saldos comerciais ainda eram negativos. Hoje, a situação é outra. O Brasil acumula reservas que beiram US$ 180 bilhões, apresenta uma inflação anual abaixo dos 5%,  um câmbio (em regime flexível) em torno de US$ 1,75, uma divida externa/ exportações muito baixa e os superávits primários são contínuos desde 1998. Além disso, o país expandiu suas exportações e diversificou bastante os mercados de destino. Enquanto em 2001, as exportações para os EUA representavam 24% da pauta, hoje esse número é de cerca de 16%.
Enfim, os fundamentos da economia brasileira estão melhores e o crescimento ditado pela expansão da demanda interna deverão ser determinantes para passarmos por esse momento de turbulência de uma maneira mais suave.  Como o PIB é muito mais dependente das ligações da economia brasileira com o exterior via comercial, do que por via financeira, é bastante provável que uma possível recessão americana venha a reduzir a taxa de crescimento brasileira para aproximadamente 4,2% a 4,7% a.a. em 2008, o que ainda é bastante significativo para o Brasil.
Pelo lado financeiro, porém, a maior ligação entre os mercados faz com que as bolsas reajam de maneira mais rápida. Dado os bons resultados da bolsa brasileira recentemente, é de se esperar que os investidores realizem os lucros “aqui” para pagar os prejuízos “lá fora”. Dessa forma, as oscilações estarão presentes enquanto o clima de incerteza prevalecer. Porém, não há dúvidas que os investidores deverão se acostumar a taxas de rentabilidade menores.
O trânsito de capitais estrangeiros deverá ser um importante definidor da dinâmica do câmbio, e com isso, da inflação e, conseqüentemente, dos juros. No entanto, tudo isso, por enquanto, são só especulações,  de previsível, somente é que a incerteza está no ar.

Publicado no Informe Econômico de 11/02/2008

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